Ahasverus – E um encontro com Castro Alves

Ahasverus – E um encontro com Castro Alves

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Ahasverus – E um encontro com Castro Alves

O judeu errante, também conhecido como Aasvero, Asvero, Ahasverus, Ahsuerus, Ashver, é personagem da tradição oral cristã, muito conhecido na Espanha, Portugal, Pérsia e tantos outros lugares, como o judeu que cruzou o caminho de Jesus ao Calvário e que ao contrário de Simão Cirineu, não o ajudou, nem tampouco se compadeceu do sofrimento e agonia no caminho do Golgóta. Esta tradição oral, que teve início possivelmente, no Século VI nas celebrações da Quinta-feira santa ou da Sexta-feira da paixão. A lenda do judeu errante é contada e interpretada junto com a de Verônica, que no seu encontro com Jesus na via sacra, teria se compadecido e aliviado os sofrimentos do mestre. Verônica cujo nome vem do contração das palavras do latim Veron (Verdadeiro) e Icon (Imagem), se utiliza de um tecido branco onde enxuga o suor e sangue do rosto do martirizado, fixando nele a imagem sofredora de Jesus.

Segundo a lenda, Ahasverus, o sapateiro que tinha sua oficina no caminho da Via Crucis, teria ofendido, negado refrigério e até mesmo empurrado Jesus para que saísse de sua presença. Isto lhe rendeu uma eterna penitência de vaguear pelo mundo e nunca morrer.

No século XIX, Antonio Frederico de Castro Alves, conhecido como o poeta dos escravos e poeta republicano, elaborou uma das peças mais lindas sobre este tema, entre tantas outras famosas.

Castro Alves compara a figura melancólica de Ahasverus com os feitos de um gênio, que carrega a solidão de suas façanhas.

 

Ahasverus e o gênio

ao poeta e amigo J. Felizardo Júnior

Sabes quem foi Ahasverus?…— o precito,
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda…
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande… o forasteiro
Não teve onde… pousar.
Com a mão vazia —viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe —o grão de areia,
A gota d’água —rejeitou-lhe o mar.

D’Ásia as florestas —lhe negaram sombra
A savana sem fim —negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó!…
Tabas, serralhos, tendas e solares…
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.

Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão…
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração!…

E caminhou!… E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra…
Ele que só pedia sobre a terra
—Silêncio, paz e amor! —

No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
“Ele não morre”, a multidão dizia…
E o precito consigo respondia:
—”Ai! mas nunca vivi!”

O Gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…

Pede uma mão de amigo —dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor —e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de glória em glória corre…
Mas quando a terra diz: —”Ele não morre”
Responde o desgraçado: —”Eu não vivi!…”—

Castro Alves – Obra Completa, páginas 86 e 87 Editora Nova Aguilar São Paulo 1986.

Sobre o autor

Genaro Campoy Scriptore administrator

1 comentário

Luiz Antonio Baldo Pupo de Campos FerreiraPublicado em11:54 pm - Mai 20, 2021

Muito bom.

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