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J. P Dilion – 15 de março de 1800 |
A invasão moura em Portugal e Espanha, ao longo de oito séculos, influenciou profundamente a construção das línguas espanhola e portuguesa, resultando na incorporação de muitos vocábulos de origem árabe. Entre as inúmeras palavras, podemos citar mais de cinquenta que começam com a letra “A”, como alambique, alquimia e alqueire.
A escolha pela palavra alqueire tem o propósito de destacar a história do campo e do agricultor, trazendo à tona práticas do passado que ainda se conectam com as dos dias atuais. No passado, os lavradores usavam a matemática prática para contar, calcular e garantir a subsistência por meio da produção agrícola. Desenvolveram, assim, uma sabedoria subjetiva, baseada na interpretação de atos simples, como plantar e colher.
Alqueire é uma palavra com origem persa e árabe, introduzida no português para definir a quantidade de sementes transportadas em um recipiente, geralmente feito de vime, varas ou cintas vegetais, conhecido como cesto. Durante muito tempo, não havia um padrão rígido para a quantidade de sementes colocadas nesses alqueires, cujos tamanhos variavam.
Segundo a obra de José Fortunato Barreiros [1], o valor de um alqueire foi fixado em 13,8 litros de sementes secas, baseado em um cesto de bronze que comportava 69 decilitros, conhecido como “meio alqueire”, termo assim definido pelo emérito Presidente da Câmara de Lisboa, “Paulo de Carvalho Mendonça”. Duplicando essa medida, chegava-se a um alqueire, ou 138 decilitros (13,8 litros) de sementes secas.
No passado, os agricultores transportavam dois cestos de sementes (um alqueire) no dorso de um animal para o campo, onde plantavam em covas com duas ou três sementes, distantes aproximadamente um passo entre si. Um litro de sementes era suficiente para plantar 605 metros quadrados (m²), uma área de 11 metros x 55 metros, por exemplo. Para plantar meio alqueire (6,9 litros), o agricultor precisava de uma área de 4.174,50 m². Para planta um alqueire completo (13,8 litros) exigia 8.349 m² de área cultivável.
Em São Paulo, o sistema de plantio adotado era baseado no meio alqueire, com o agricultor debulhando 256 espigas de milho para encher dois cestos de 20 litros (ou 40 kg) de sementes para plantio em uma área de 110 x 220 metros ou 24.200 m² (605 m²x 40 litros). Fernando Pina Figueiredo[2], engenheiro especializado em cálculos, destacou que “20 kg de grãos de milho nem sempre correspondem a 20 litros, devido à densidade variável das sementes”. No entanto, para simplificação, era aceitável considerar que 1 litro equivalia a 1 kg de grãos de milho.
Os mineiros, por sua vez, utilizavam um sistema baseado em um alqueire completo, que exigia 48.400 m² (605 m²x 80 litros), para plantar dois cestos de 40 litros (ou 80 kg) de sementes, o equivalente a 512 espigas de milho debulhadas. A área necessária para esse plantio podia ser representada por um quadrado de 220 x 220 metros ou outros formatos.
Com o tempo, a diversidade de cestos e as variações regionais tornaram o alqueire uma medida imprecisa no meio agrário. Foi somente em 26 de junho de 1862 que, por meio da Lei 1.157, o imperador Dom Pedro II substituiu o antigo sistema de pesos e medidas pelo sistema métrico francês.
Na 12ª Sessão do Comitê Internacional de Pesos e Medidas (CIPM), realizada na França, em uma quinta-feira, no dia 2 de outubro de 1879, discutiu-se e aprovou-se o padrão do hectare, junto com o seu símbolo (ha), para ser utilizado como unidade de medida de superfícies agrárias. Esse momento foi crucial para a padronização de medidas agrárias, pois exigiu um esforço para aprender e implementar a equivalência entre as antigas medidas regionais e o novo sistema métrico, que seria adotado amplamente em diversos países. Essa transição teve impacto profundo no setor agrícola, simplificando a mensuração de áreas de plantio e facilitando a comunicação e regulamentação no campo.[3]
Hoje, no Brasil, a medida agrária oficial é o hectare, conforme estabelecido pela Lei nº 6.746/1979, conhecida como “módulo fiscal”. Essa unidade representa a área mínima necessária para a classificação fundiária das propriedades rurais, que podem ser classificadas como minifúndio, pequena, média ou grande propriedade, conforme especificado pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017.
Entretanto, o Brasil, com sua vasta extensão territorial de 8.515.767,049 km², ainda enfrenta desafios relacionados a disputas e demarcações de terras, refletindo a complexidade de definir os tamanhos das propriedades rurais no país.
Tabela demonstrativa para Plantio de Alqueire, com Cestos de Sementes.
Alqueire | Litros | Cestos | Area (metros²) | Area Linear (metros) |
---|---|---|---|---|
– | 1 | – | 605 | 11 x 55 |
½ | 6,9 | 1 | 4.174,50 | 50 x 83,49 |
1 | 13,8 | 2 | 8.349 | 110 x 75,9 |
Tabela para medida de Alqueire no Brasil.
Alqueire | Litros | Cestos | Qtde Espigas | Area (metros²) | Area Linear (metros) | Estado |
---|---|---|---|---|---|---|
½ | 40 (40 kg) | 2 | 256 | 24.200 (605 x 40) | 110 x 220 | São Paulo | ½ | 32 (32 kg) | 2 | 205 | 19.360 (605 x 32) | 110 x 176 | Mato Grosso (Alqueirão) | ½ | 45 (45 kg) | 2 | 288 | 27.225 (605 x 45) | 165 x 165 | Norte do Brasil | 1 | 80 (80 kg) | 2 | 512 | 48.400 (605 x 80) | 220 x220 | Minas e Góias |
1 | 160 (160 kg) | 2 | 1024 | 96.800 (605 x 160) | 220 x440 | Bahia |
[1] Barreiros, Fortunato José – Memória sobre os pesos e Medidas de Portugal, Espanha, Inglaterra e França que se empregam nos trabalhos do corpo Engenheiros e da Arma de Artilharia – Tipografia da Academia Real de Ciências, Lisboa, 1838, página 10 e página 63.
[2] Fernando de Pina Figueiredo, Engenheiro Civil Calculista de Estruturas e Fundações, sócio da empresa Pina Figueiredo Engenharia Estrutural Ltda, membro da Diretoria do Centro de Ciências, Letras e Artes, comentou: “20 kg de grãos de milho nem sempre dão 20 litros, pois a densidade aparente do milho, e de várias outras sementes, é muito variável. O conceito de densidade aparente, ou massa específica aparente, é a massa que cabe em 1 unidade de volume, ou seja, quantos kg (unidade de massa) cabem em 1 litro (unidade de volume). No caso da maioria das sementes, a massa que cabe no volume de 1 litro varia de 0,88 a 1,40 kg. Eu, em meus cálculos de bases de grandes silos, a favor da segurança utilizo o valor de 1,4 kg/litro, pois no silo são 12 metros de altura, ou mais, então o grão fica muito adensado. Mas no caso do agricultor do tempo antigo, que mexia com pequenos volumes, é aceitável sim considerarmos que em 1 litro caiba 1 kg de grãos de milho.”
[3] Procès-Verbal de la deuxième séance de 2 octobre 1879 – Présidence de M. Ibañez P.41 – Paris, Gautier-Villars, Imprimeur-Libraire du Bureau des Longitudes de L’école Polytechnique. Successeur de Mallet Bachelier, 1879
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