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Os temíveis dias que vivemos

Shofar-300x225 Os temíveis dias que vivemos
Grita, pois, a plenos pulmões, não te contenhas, levanta a tua voz como um Shofar, uma trombeta, e faz ver ao povo a sua própria transgressão, mostra à Casa de Jacó o seu pecado!

Isaías 58 – 1

Começo a escrever estas linhas com olhos nas palavras de Eça de Queiróz dirigidas ao seu oponente Pinheiro Chagas na questão entre Portugal e o Brasil, destacando as espécies de patriotismo.
O primeiro deles são aqueles que respeitam as tradições, que dirigem todos os seus esforços para uma nação viva, que trabalha, produz, pensa e sofre. Ocupam-se da pátria contemporânea, que conhece suas aspirações e dirige todo o esforço para torná-la mais livre, mais forte, mais culta mais sábia, mais próspera e elevada entre as outras nações.

Nada do que pertence à pátria lhes é estranho: admiram decerto Afonso Henriques, mas não ficam para todo o sempre petrificados nessa admiração: vão por entre o povo, educando-o e melhorando-o, procurando-lhe mais trabalho e coorganizando-lhe mais instrução, promovendo sem descanso os dois bens supremos — ciência e justiça.
Põem a pátria acima do interesse, da ambição, da gloríola; e se têm por vezes um fanatismo estreito, a sua mesma paixão diviniza-os. Tudo o que é seu o dão à pátria: sacrificam-lhe vida, trabalho, saúde, força. Dão-lhe sobretudo o que as Nações necessitam mais, e o que só as faz grandes: dão-lhe a verdade. A verdade em tudo, em história, em arte, em política, nos costumes. Não a adulam, não a iludem: não lhe dizem que ela é grande porque tomou Calicute, dizem-lhe que é pequena porque não tem escolas. Gritam-lhe sem cessar a verdade rude e brutal. Gritam-lhe: “Tu és pobre, trabalha; tu és ignorante, estuda; tu és fraca, arma-te! E quando tiveres trabalhado, estudado, quando te tiveres armado, eu, se for necessário, saberei morrer contigo!”
Eis o nobre patriotismo dos patriotas.

O outro patriotismo é diferente, a pátria não é a multidão que em torno dele palpita na luta da vida moderna, mas, uma outra pátria, aquela que no passado conquistou povos e países, que arrasou aldeias, expulsou árabes e mouros, traficou produtos e é comemorada em cantorias e serenatas.

Esse sabe discursar com os olhos e o lábio em luxuria: “Oh, pátria! Oh, filha! Ai, querida! Oh, pequena! Que linda és!”, exatamente como tinha dito na véspera, num bordel, a uma prostituta barata.
Esse, coisa pavorosa! não ama a pátria, namora-a; não lhe dá obras, impinge-lhe odes. Esse, quando a pátria se aproxima dele, com as mãos vazias, pedindo-lhe que coloque nelas o instrumento do seu renascimento — põe lá (ironia magana!), o quê? Os louros de Ceuta! Quando o povo lhe pede mais pão e mais justiça, responde-lhe, torcendo o bigode: “Deixa lá… Tu tomaste Cochim.”

A pátria brasileira com mais de 214 milhões de brasileiros não conseguiu ainda fazer a autocrítica sugerida por Eça de Queiroz, no século XIX. É uma nação que não dispõe dos recursos necessários para fazer os devidos investimentos em infraestrutura, é pobre, transfere para o estado as responsabilidades sociais e evita o esforço da conquista pelo trabalho, pelo estudo e pela formação de brasileiros comprometidos socialmente. Está desarmada e desprotegida diante do crime, do tráfico de drogas, sem escolas, sem saneamento e com tendência para anular qualquer ação que busque melhorar a sociedade através do esforço individual. Acredita em utopias e fantasias produzidas por falácias e promessas que nunca se cumprirão, pois estão baseadas em teorias coletivas que extrapolam as fronteiras do seu território, sempre na mais valia dos operários, que segundo Karl Marx no Manifesto Comunista, seção II, deixa claro: “Os operários não têm pátria”, mas são os próprios que juntamente com trabalhadores e consumidores continuam pagando a conta da corrupção e dos desmandos.

Por isso repetir as palavras do grande baiano Aristides César Spínola Zama, médico, político e escritor brasileiro deputado federal, conhecido como Cézar Zama, que se insurgiu contra Rui Barbosa que denunciou a perversidade da Guerra de Canudos e legou aos brasileiros o “Libelo Republicano”, texto que pode ser usado na atualidade sem reservas:

Quando os homens de bem não logram compreender e realizar os desígnios da Providência, encarregam-se disto os desonestos. Sob o açoite da necessidade e no meio da impotência geral surgem sempre almas corrompidas, e audazes, as quais como que adivinham o que pode acontecer e o que se pode tentar, e tornam-se instrumentos de um triunfo, que não lhes cabe naturalmente, mas do qual aproveitam-se para colher-lhe os frutos” escreveu Guizot. É o que está sucedendo no Brasil.
Somos respeitadores da autoridade legal e legitimamente constituída. Acatamos as leis do país, e ainda mais as leis morais, que, por não serem escritas, não absolvem, todavia os seus transgressores da reprovação geral. Se nos submetemos aos abusos, que diariamente se multiplicam entre nós, é porque não temos meios e recursos para reagir contra os seus autores; nunca, porém, abdicaremos o último dos direitos dos vencidos – o de protestar com energia contra os demolidores da pátria e da república. Deus fez-nos racional e pensante; exercemos um direito inerente à nossa natureza. Só os vermes toleram ser calcados aos pés sem protestarem.
Diremos só a verdade; mas nua e crua. Novos e mais fundos ódios acumular-se-ão sobre a nossa cabeça; haverá, porém, mérito em afrontá-los, desde que são nobres e elevados os intuitos, que nos dirigem.
Os ódios passarão, e restar-nos-á a tranquilidade da consciência, que não abandona jamais os que cumprem um dever. “Quia non in solo pane vivil homo, sed in omni Dei verbo.” Os poderosos do dia não nos intimidam; só tememos AQUELE que nos pode matar a alma.

Os índices estatísticos são reais e absolutos na amostragem de uma população que depende essencialmente de uma grande parcela de pessoas, mais de 62,3% que sustentam através do seu trabalho e seus impostos 37,7% de pessoas economicamente inativas com menos de 10 anos e mais de 65 anos. Uma sociedade que não têm mais caminhos para aumentar burocratas e funcionários públicos pendurados em estruturas públicas ineficientes.
Não há como sustentar uma sociedade sem trabalho e estudo, entregando um tipo falso de cultura em aglomerações de entretenimento enquanto os valores culturais do país são entregues de forma constante ao desprezo e a ignorância. As instituições culturais como centros de memória, museus e valores culturais são alijados da maioria populacional que se contentam com megas eventos populares apoiados com recursos governamentais em troca de alguns quilos de alimentos retirados das prateleiras vazias dos trabalhadores.
Diante de tanta pobreza e miséria, não poderia deixar de trazer o “Sermão do Bom Ladrão”, se é que exista algum bom ladrão, proferido pelo padre António Vieira em 1655 criticando a arte de roubar, comparando o pequeno ladrão que rouba para comer com o grande ladrão que rouba império, no meu entender ambos passíveis de reprovação:

“Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigos: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam.
“Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul ou ditador por ter roubado uma província.”

Como brasileiro, inserido nesta sociedade, com responsabilidades civis especificas de pai de família, não posso deixar de gritar a pleno pulmões, como um shofar, por uma sociedade mais justa, como uma trombeta que pede ajuda no combate a transgressão que se principia na sociedade brasileira dividida, muito perto de descaminhos de violência que provocarão muito mais dor e sofrimento além dos que já são inerentes a nossa existência.

Buscando Voltaire e seu amigo Helvétius

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François Marie Arouet –Voltaire

Claude Adrien Helvétius

Diante de tantas “fake-news” e tantos disparates que tenho visto nos últimos dias, desci de minha prateleira alguns livros que li em minha juventude e recuperei um pouco do pensamento de François-Marie Arouet, escritor, ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês, mais conhecido pelo seu pseudônimo, “Voltaire” do que pelo seu próprio nome.
Voltaire, nascido em Paris em 21 de novembro de 1694 e falecido em Paris, 30 de maio de 1778, escreveu quase uma centena de obras que vão desde peças de teatro, poemas, romances, ensaios, obras cientificas e históricas, inúmeras cartas e milhares de livros e panfletos. Suas críticas sempre dirigidas aos reis absolutistas, ao privilégios do clero e à nobreza em geral, com endereço certo para o exercício da reforma social, com pesadíssimas críticas à censura e as punições impostas pela quebra delas. Na França foi preso por duas vezes e para escapar da perseguição política que influenciou a revolução francesa, refugiou-se na Inglaterra onde conheceu e passou admirar as ideias de John Locke.
Da minha pobre estante desci dois livros, “A vida de Voltaire”, e  “Os Amigos de Voltaire” o primeiro escrito em 1900 e o segundo em 1906, obras no original da escritora inglesa Evelyn Beatrice Hall , que escrevia com o pseudônimo de S. G. Tallentyre.
A releitura de obras primárias nos posiciona cada vez mais diante dos fatos atuais, traz comparações e execra fatos vividos pela ignorância de que a vida é cíclica e que os eventos se repetem.
Tomo aqui emprestado o livro  “Os Amigos de Voltaire”  Capítulo VII – Helvétius – A Contradição, onde a escritora traz a figura de Claude Adrien Helvétius, autor de “Essay on the Mind”, um livro materialista, no caminho do autoconhecimento que segunda a autora carrega em si, em cada ação muita mentira. Helvétius era um daqueles filósofos da época muito odiado e muito perseguido, principalmente pelos cobradores de impostos da França. Pertencia a uma família de médicos, bisavô e avô considerados na corte, seu pai teria salvado a vida do rei Luiz XV durante a infância.
A escritora diz que Helvétius com 25 anos e Voltaire com 45 anos se tornaram amigos calorosos trocando correspondências entre 1738 e 1771.
Quando Helvétius produziu “Essay on the mind”, tinha como objetivo propor uma nova teoria da ação humana e um novo sistema de moralidade, porém Voltaire não concordou muito com a fantasia que poderia facilmente ser demolida pela crítica, de caráter fácil, imprecisa, um estilo que segundo a escritora era feito para mentes leves e despreparadas como os jovens e as mulheres da época.
Quando pronta a obra, Helvétius levou-a para Tercier, o  censor, que o aprovou sugerindo apenas o corte de algumas referências ao livre pensador Hume, que Helvétius retirou do texto.
O livro seguia o seu desígnio de aprovado por alguns ou reprovados por outros, seguia o seu caminho para ser um sucesso, até que a estupidez enlouquecida do  governo, o Delfim, mais virtuoso do que sábio, sai do seu quarto com uma cópia em sua mão e com o rosto desfigurado em fúria diz:
”Eu vou mostrar para a rainha o tipo de coisa que o mestre da casa, senhor das impressões e das gravuras publica no reino.”
Em 10 de agosto de 1758, o privilégio da publicação de  “Essay on the mind”, foi revogada, Tercier foi demitido e o livro foi furiosamente atacado nos jornais religiosos, nos discursos e homilias por toda a França.
Algo deveria ser feito para Helvétius, algo de bem covarde, que o atormentasse, uma punição exemplar. Porém Helvétius teria feito o mesmo que Voltaire, então um padre jesuíta escreveu uma carta dizendo que ele teria escrito sua obra em inocência e simplicidade e que não tinha a menor ideia do efeito que ela produziria, acrescentando que Helvetius era um homem religioso e que se encontrava muito triste com todo este fato.
A tal carta lhe valeu a perda de toda a sua mordomia e o exílio por dois longos anos no Chateau de Voré.
O que o livro nunca poderia ter feito para si mesmo,  ou por seu autor, a perseguição fez por eles. “Essay on the mind”, não se tornou o sucesso de uma temporada, mas um dos livros mais famosos do século.
Voltaire perdoou-lhe todos os ferimentos, intencionais ou não intencionais, e quando ouviu sobre a queima dos livros de Helvétius dizia:
“Que algazarra sobre um omelete”.
“Quão abominavelmente injusto é perseguir um homem por uma ninharia tão comentada como essa!”
E vem uma frase que se tornaria célebre publicada pela escritora há quase 120 anos atrás:
“I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it”
“Eu desaprovo o que você diz, mas eu defenderei até a morte o direito de dizê-lo”
Nos dias de hoje penso que Voltaire poderia dizer a mesma frase na direção da disputa política que não pode e não deve se dobrar diante da censura.
Como gostaríamos de ter um Voltaire em nossas cortes jurídicas na defesa das liberdades civis, defendendo liberdade religiosa, o livre comércio, aplicando com justiça a lei de forma a punir severamente os desvios morais e corruptores de uma sociedade doente e sem rumo. Ter um defensor da ciência política direcionada por ética e responsabilidade, que tivesse instrumentos coercitivos para impedir a corrupção e os desmandos oligárquicos que sacrificam os cidadãos independentes de suas classes sociais ou condições econômicas
Quem sabe a releitura de Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Mirabeau, John Locke e tantos outros que se encontram adormecidos pela ignorância e pelo servilismo de falsos mestres possam iluminar nossas futuras gerações.
Sou de um impassível e inquebrantável espírito que acredita na resiliência de uma sociedade futura, que mesmo sem ajuda acabará por encontrar o seu caminho.

Reflexão – Uma ação com duas faces.

 

As-duas-Fridas-300x300 Reflexão – Uma ação com duas faces.
Quadro As duas Fridas – Frida Khalo

Diante de tantas argumentações e reflexões vivenciadas no período eleitoral brasileiro em  2022, advindas desde o mais simples cidadão até as mais complexas mentes intelectuais que conheço, saltaram-me à vista, principalmente nas argumentações, à maneira com que atingiram meu intelecto nestes últimos dias.

Uma das faces que transbordaram nas redes sociais e nos grupos de conversas denominarei aqui de a “reflexão dos influenciadores”.

Descartando o grau cultural, social e até mesmo intelectual dos agentes influenciadores, pude observar que fica fácil se posicionar como tal desconhecendo as ferramentas mais óbvias de um influenciador, como:

  1. Refletir com o domínio das emoções, para não transparecer o lado sombrio que todos escondemos em nosso interior.
  2. Refletir com eloquência, usando a comunicação verbal e não verbal adequada para receber o devido crédito em suas críticas e posições.
  3. Utilizar a empatia de maneira a ocupar o lugar do outro, descentrar de convicções e de padrões pré estabelecidos para passar uma mensagem de confiança.
  4. Demonstrar inovação, criatividade, gerando mensagens arrojadas e novas, com humor, utilizando comunicação não verbal que tem olhar no olhar, leveza e trata seus interlocutores com cuidado respeito e admiração.
  5. Valendo-se de propiciar desafios com o objetivo de vencer atitudes difíceis, mas não impossíveis com senso de inteligência e realidade.
  6. E por fim, considerando as próprias reflexões como modelo, que tanto pode servir de guia aos seus interlocutores como pode despertar reflexões vindas dos interlocutores que guiarão o próprio influenciador em uma nova forma de pensar, é um caminho para construir e ser construído.

Notadamente, sem estas ferramentas muitas destas reflexões passam a ser o que denominarei aqui de “reflexão dos manipuladores”, construídas através de:

  1. Desconhecimento da verdade, que em geral são reflexões com a profundidade de uma poça d’água, feitas de perguntas enganosas, geralmente carregadas de medo seguidas por falsas interpretações de alívio.
  2. Quase sempre tais reflexões escondem em suas entrelinhas um culpado, a culpa sempre será de alguém ou de alguma coisa que transformam reflexões e pessoas em verdadeiras vítimas causando direcionamento falso das decisões finais do indivíduo.
  3. Tais reflexões tendem a subornar ideais e valores estabelecidos que destroem o caráter ético e responsável, sempre de maneira subliminar e inconsequente.
  4. São reflexões rasas e imprecisas, carregadas de ódio, violência e até mesmo de nivelamento ditatorial que justifica ações para outros, nunca para si mesmo.

Num momento tão delicado que vivemos em nossa história, só o bom senso não basta para direcionar as atitudes dos indivíduos.

Abraçar opiniões alheias de falsos influenciadores que têm a face dissimulada dos manipuladores é abraçar a fantasia perigosa no engajamento de lutas desconhecidas e sem sentido, é distanciar-se das ideais edificantes dos espíritos esclarecidos que colocam a luz no alto da sala para iluminar o ambiente, é abraçar o comportamento dos espíritos deseducados, impolidos, grosseiros, néscios e obtusos que escondem a luz sob o leito da conveniência provocando assim a penumbra e a escuridão  intelectual.

Ainda que a manipulação desconstrua o intelecto da sociedade, provoque um abismo entre o responsável social e  egocêntrico manipulador acomodado, ainda assim ponho toda a minha esperança na luz das reflexões dos espíritos esclarecidos, na “reflexão dos influenciadores” que através de atitudes, de exemplos carregados de responsabilidades deitarão luz e convencimento no ambiente de insensatez e ignorância,  habilitando pessoas e instituições na construção de uma sociedade mais justa, solidária e equitativa.

14 de julho – Data inspiradora.

 

SalvadorCaruso-300x185 14 de julho – Data inspiradora.

Primeira Missa em Campinas. Obra de Salvador Caruso, óleo sobre tela. Acervo CCLA.

Em 1774 –A capela interina construída tratada como Capela Interina da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, é benzida pelo presidente do mosteiro de São Bento, com assistência do vigário da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Campo depois Vila de Mogi Guaçu. Ato contínuo, os sacerdotes rezam a primeira missa oficiada por Frei Antônio de Pádua Teixeira. – Livro do Tombo página 2 da Igreja Nossa Senhora da Conceição Arquidiocese de Campinas.

Em 1774 – Acontece o primeiro batismo na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, do menino Domingos, filho de Domingos da Costa Machado e dona Maria Barbosa Rego, moradores em Mato Dentro, tendo como padrinhos Raimundo da Silva Prado, casado e morador na Vila de Jundiaí e dona Maria da Silva Leme, esposa de Gaspar de Godoi Castanho, moradores desta freguesia e por verdade assina o documento Frei Antônio de Pádua Teixeira. – Livro de Batismo Número 1 folha 2 da Igreja Nossa Senhora da Conceição Arquidiocese de Campinas.

Em 1789 – A queda da Bastilha, fortaleza medieval foi tomada pelo povo, inflamado por um discurso de Camille Desmoulins, jornalista totalmente desconhecido até aquele momento e por um boato de que a pólvora necessária para os 28.000 mosquetes e para os canhões tomados pela multidão estava na fortaleza que naquele momento abrigava somente sete presos. Fato central que fortalece os liberais e o povo francês para a realização da Revolução Francesa e a derrubada da monarquia absolutista. Este é o principal evento celebrado na França.

Em 1841 – Vem ao mundo, na fazenda Bomsucesso nas proximidades do Anhumas, o doutor Francisco Quirino dos Santos, um dos maiores nomes de Campinas no mundo jornalístico e na imprensa brasileira, literato, poeta, advogado brilhante, membro da Academia Brasileira de Letras.

Neste dia especial nada como relembrar as palavras do aniversariante:

“…À primeira missa! Imaginem que havia de ser um domingo — um domingo lindo e sereno — aquele solene alvorecer da festiva aldeia. A manhã, úmida ainda dos últimos beijos da noite, sacode o seu véu rórido sobre a copa dos arvoredos: chove, cai o orvalho, entre os botões sedentos, rasgando a escumilha translúcida, espalhada pelo inseto, galho a galho; brincam as aves mansas, nas moitas perto, os seus doidos codilhos, e ao sussurro das asas, volteia-se a flor à beira dos ninhos.

As crianças correm, saltam pelo terreiro, estalando os sons metálicos das suas risadas. Ai! loucura genial da primeira, da inocente idade | como me estás passando o coração de acerbas memorias! Vejo-te à sombra das florestas virgens, ao duvidoso clarão da fugitiva infância. Aí estas ainda a fechar em abraços lúbricos a fronte ingênua do senhorzinho, o seio ondulante da agregada, a face tinta do crioulo, quando renasces passageira, descuidada e meiga para as ocasiões da desobriga ou de outra qualquer cousa assim atrativa, assim filha dos cândidos costumes.

Mas chega, aflui a multidão já para a missa. É o honesto jaleco do queimado lavrador, o pai, que abre e enfia a marcha; é o flutuante lencinho escarlate da filha, que ensombra umas faces purpurejadas à faminta observação dos devotos; é o clássico e grave cabeção da mãe quarentona, roçagante vela que vai à bolina de dois sadios rapazes, enquanto a dona deles e dela meneia uns comprimentos mesurados às duas orlas de comadres concomitantes. Entram.”

Texto do Doutor Francisco Quirino dos Santos no jornal A Luz – Jornal Literário e Instrutivo – Redigido por F. A. Costa – Notícias Históricas – Volume I Publicado em partes no ano de 1872 -Tipografia e Redação da Luz – Rio de Janeiro.

Parabéns! Pelos seus 248 anos de sua primeira missa, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso

Parabéns! Pelos seus 248 anos de sua ousadia monárquica Vila de São Carlos.

Parabéns!! Pelos seus 248 anos de sonho Republicano Cidade de Campinas.

Cidade dos meus filhos e de minha família recebe o meu sincero tributo de carinho, respeito e amor nesta especial data.

Salve 14 de julho de 2022! Salve Campinas!

 

 

O Monumento a Campos Salles e a espera pela Revolução de 1932.

O Passado não reconhece o seu lugar:
está sempre presente
Mario Quintana
1834-ou-acima--300x185 O Monumento a Campos Salles e a espera pela Revolução de 1932.
Praça Visconde de Indaiatuba

Largo do Rosário

Logo depois da morte do ilustre doutor Manuel Ferraz de Campos Salles, no seio da cidade de Campinas nasce um movimento liderado por políticos, pelos seguidores das ideias republicanas e amigos de Campos Salles com o propósito de marcar a cidade com uma homenagem ao campineiro e segundo presidente civil deste país.

Na gestão do prefeito, intendente nomeado, Orozimbo Maia e por iniciativa de projeto da Câmara Municipal de Campinas eram publicados na imprensa edital para a construção do monumento a Campos Salles. Edital, datado de 22 de fevereiro de 1930, assinado pelo secretário da Prefeitura, Amilar Alves.

Não podemos deixar de ressaltar a figura do secretário da prefeitura, Amilar Alves, homem do cinema, da cultura e que tão bem soube representar o Centro de Ciências, Letras e Artes, nas funções que ali exerceu.

Depois de vários adendos e modificações deste edital, se estabelece que os escultores concorrentes deveriam adotar um pseudônimo para sua maquete e enviar a documentação e suas propostas até as 14:00 horas do dia 20 de junho de 1930.

O julgamento para a escolha do escultor vencedor que iria realizar a construção deste monumento aconteceu no dia 10 de julho de 1930, conduzido por uma comissão composta dos vereadores Doutor Ernesto Kulmmann e Benedicto Cunha Campos e mais Perseu Leite de Barros, engenheiro civil que ingressara neste mesmo ano no serviço público como chefe de obras e viação. Completavam a comissão o arquiteto Alexandre de Albuquerque e os escultores Amadeu Zani e Marcelino Nellez.

A comissão reunida no “Salão do Fascio Italiano” localizado na Rua Barreto Leme, escolheu a maquete “Ephiteto”, do escultor Yolando Mallozi vencedora, obtendo assim o primeiro lugar e como segundo lugar a maquete “Semper Ut Quo-dam” do escultor Hugo Bertazzan do Rio de Janeiro, que recebeu o prêmio de 4.000$000 réis. As maquetes ficaram em exposição no “Salão do Fascio Italiano” para que todos pudessem apreciar a decisão apoiada e concorde do prefeito Orozimbo Maia, da comissão e todos os técnicos envolvidos no processo.

Três meses depois, deste concurso para a escolha do escultor do monumento, acontece a revolução de 1930, no dia 24 de outubro, que impõe a queda do governo de Washington Luís, exatamente vinte e um dias antes do término do período presidencial.

Júlio Prestes de Albuquerque, paulista de Itapetininga vencera as eleições de março de 1930 e aguardava para ser empossado, mas a deposição de Washington Luís e a instauração da junta governativa presidida pelo General Tasso Fragoso provocou uma espera na normalização do ambiente político.

A junta governativa exerceu a presidência até o dia 4 de novembro de 1930, data em que transferiu o governo para Getúlio Vargas, líder da revolução e do golpe. Júlio Prestes de Albuquerque foi impedido pelo governo de Getúlio Vargas de assumir a presidência, passando assim para a história como o único presidente eleito pelo voto popular que não foi empossado.

Apresentavam-se mais uma vez, as ideias de Campos Salles, vivas pela luta democrática e de libertação na qual o povo exerce o papel de senhor de todas as vontades, mas de forma geral acaba derrotado pelo despótico poder das armas e dos poderosos. O monumento esperava a homenagem do povo de Campinas.

Entre 1931 e 1932 os paulistas e principalmente os campineiros, esperavam de Getúlio Vargas a normalização do ambiente político, a convocação de uma Assembleia Constituinte e a data para eleição presidencial.

No dia 23 de maio de 1932, em São Paulo, um ato cívico levou milhares de paulistas para a Praça do Patriarca, Rua Líbero Badaró, Praça da República, Ladeira de São João, Rua São Bento, Praça da Sé, Viaduto do Chá e rua Conselheiro Crispiniano para seguir em direção ao palácio do governo, onde se encontrava o novo interventor do governo paulista,  Pedro Manuel de Toledo.

O ato cívico reivindicava as eleições presidenciais e notícias da Constituinte. Na praça da República, esquina com Barão de Itapetininga estabelece-se um conflito entre o povo, a polícia e os membros da Legião Revolucionária. Neste conflito é metralhado o estudante Mario Martins de Almeida de 31 anos, Euclydes de Miragaia de 21 anos com um tiro no peito, Antonio Camargo Andrade por tiros disparado por populares e Dráuzio Marcondes de Sousa de 14 anos ferido por um tiro de Legionários. Os restos mortais destes mártires, estão hoje, sepultados no mausoléu do Obelisco do Ibirapuera.

Para quem passa nas imediações da Rua Guilherme de Almeida, no Cambuí, Campinas, pode notar uma rua curta, de uma quadra, denominada Rua MMDC. Este acrônimo construído pelas letras M de Mario, M de Miragaia, D de Drauzio e C de Camargo, se tornou sigla para a organização clandestina que iria conspirar e organizar a Revolução Constitucionalista que principiou em 9 de julho de 1932. Depois do conflito tornou-se uma sociedade sem fins lucrativos e de utilidade pública denominada “Sociedade Veteranos de 32 – MMDC”, hoje com sede no Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 32, conhecido como Obelisco do Ibirapuera desde 9 de dezembro de 2014.  O núcleo de Campinas funciona e atende na Rua General Osório, 490, nas antigas instalações dos escritórios da Mogiana.

Campinas se posicionou, daqui saíram soldados para combater tropas “getulistas” infiltradas e estacionadas nas cidades das linhas da Mogiana, da Paulista e no interior do estado de São Paulo. Eram desiguais as forças do governo de Getúlio e as tropas dos Paulistas dadas as desproporções do material bélico.

Campinas foi bombardeada pelos aviões vermelhos do governo, nos dias 18 e 24 de setembro de 1932.

O jornal o Estado de São Paulo que apoiava os soldados constitucionalistas, notícia o bombardeio do domingo, dia 18 de setembro:

“Prossegue com intensidade a luta no setor do Amparo. A situação das tropas constitucionalistas continua ser, naquele setor, muito boa. Um avião da ditadura voou hoje sobre a cidade de Campinas, jogando uma bomba, no pátio fronteiro da estação da Paulista, matando o menor Aldo Chiorato, de 9 anos de idade, filho de João Chiorato e ferindo gravemente o velho operário italiano Vicente Nome, cujo estado inspira cuidados, e um velho sírio. Também foi ferido, mas sem gravidade o funcionário da Mogiana, Isolino Monteiro. Passageiros de um bonde que na hora trafegava pelo local receberam também alguns ferimentos. Outra bomba foi lançada sobre a estação da Mogiana, sem causar danos e uma terceira caiu sobre uma residência particular da rua Campos Salles, destruindo parte do edifício. Os moradores estavam ausentes, as bombas eram grandes, de peso aproximado de 45 quilos.
À tarde, a aviação da ditadura voltou a bombardear Campinas, lançando contra aquela cidade cinco bombas. Duas caíram na Cadeia, ferindo vários presos, duas alcançaram o pátio da estação da Paulista, sem causar vítimas e a última estourou na Vila Industrial, que é habitada por operários, ferindo vários deles. Esse bombardeio desumano e sem nenhum objetivo militar, pois não visou lugares onde houvesse concentração de tropas ou fortificações, causou profunda indignação no povo campineiro.”
[1]

A repercussão da morte de Aldo Chioratto começou no dia 24 de setembro 1932, quando Raul Laranjeira, exímio violinista, premiado na Europa e que havia se incorporado ao “Batalhão Diocesano” sediado no Interior do Estado, se propõe a fazer assim que possível um concerto e reverter a renda para a família da criança de 9 anos.[2]

Nas comemorações de 23 de maio de 1966, “Dia da Juventude Constitucionalista” e quando das solenidades de transferência dos restos mortais de Aldo para o Obelisco do Ibirapuera, Guilherme de Almeida, de forma emocionado escreveu lindos versos no jornal Estado de São Paulo:

Vem de Campinas — a minha Campinas dos jequitibás — o herói criança – Aldo Chioratto – verde vergôntea da árvore velha que vergastada por vendaval manda a mensagem que eu adivinho e que em alguém por mim somente em épica língua é capaz de exprimir, o exprime assim:

Tu infante imolado, tenro caule,

de raríssima arvore cortado,

Muda plantada que ora aqui floresce.

Deixando lá, na cicatriz do cerne.

Promessa de altas florações futuras!”[3]

No dia 24 de setembro, o correspondente do Diário Nacional narra desta maneira o bombardeio em Campinas:

“Hoje, precisamente ás 12:25 horas, dois aviões da ditadura, voando por sobre Campinas, não demoraram a dar sinais de que em cumprimento nos seus monstruosos propósitos, vinham para hostilizar a cidade.
Para logo, entretanto, sumia das vistas do povo ansioso um dos sinistros mensageiros alados do crime e da irresponsabilidade, atocaiado como fera, numa das mais belas capitais do mundo…
Outro, porém, librando-se a uma altura, calculada, de 2.000 metros, aqui ficava a corvejar, ameaçadoramente.
Tivemos ocasião de observar, aos primeiros bufos dos aeroplanos, as precauções que à população toma a fim de se preservar, o mais possível, aos efeitos do bombardeio aéreo. Estamos na praça Bento Quirino. Ali está a estátua do Carlos Gomes, o gênio da harmonia brasileira, a afrontar impassível, simbólico, a fúria assassina dos “azes” ditatoriais. Mas, os transeuntes se recolhem à primeira porta que ainda encontram aberta. Todas as casas com as suas portas e janelas cerradas. Tudo, porém, sem correria, nem gritos, nem inúteis gestos desordenados. Opressos e indignados, os campineiros esperam estoicamente a vil agressão dos ícaros infernais.
Os céus, pejados de nuvens escuras, como que envolvem numa proteção tenebrosa a ronda dos malditos bombardeadores de mulheres, velhos, crianças e enfermos.
Do repente, o primeiro assovio e o primeiro estrondo: é o traiçoeiro delírio de matar, de destruir, de arrasar! Ao emergir do bojo negro de uma nuvem, lá despejara o aviador inimigo o seu cartão de visita, certamente decorado com os brasões do “Clube 3 de Outubro”…
E, as negaças! E as evoluções! E o ir o vir desse pássaro da morte, e seus arrabaldes: cinco dos quais em pleno perímetro urbano, em um raio de 500 metros, pouco mais ou menos, no derredor da estação da Paulista.
Os petardos atirados fora do perímetro urbano não causaram estragos nenhum. Dos que atingiram as imediações da gare ferroviária, três vieram explodir à travessa Monte-Mór, na Villa Industrial, duas das quais em meio da rua, razão pela qual não provocaram estragos nem vítimas. A terceira, porém, veio rebentar em cheio no prédio número 74 daquela travessa, aluindo-o quase totalmente.
Não fora a precaução de seus moradores, que são o senhor Antolin Fernandez, maquinista da Mogiana, e sua mulher, e teríamos a lamentar, sem dúvida, vítimas pessoais. Apesar de encontrar-se no próprio domicílio, o senhor Antolin escapou aos terríveis efeitos da bomba de modo verdadeiramente providencial: metera-se por debaixo de uma mesa, que resistiu a compressão do telhado e paredes desmoronados. Quanto à esposa do maquinista, esta se havia retirado para casa de uma família vizinha à aproximação dos aviões inimigos…
Duas outras bombas, explodindo em meio da rua 24 de Maio, também na Vila Industrial, não fizeram vítimas pessoais nem estragos materiais de monta.
Eis a obra dos outubristas, a quem o demônio emprestou suas asas!
Não deixemos de assinalar, ainda, o alcance de mais este fato, determinado pelo desumano bombardeio de Campinas: à hora em que ele se verificou, hoje, a estação da Paulista se achava repleta de famílias inteiras e civis de todas as qualificações sociais, à espera do trem que os conduziria para São Paulo.[4]

Oito dias depois deste evento em uma negociação na cidade de Cruzeiro, em 2 de outubro de 1932, aconteceu o final do conflito com o armistício assinado pelo General Pedro de Aurélio Góis Monteiro.

Foi então, designado um interventor para o estado de São Paulo, o general Valdomiro Castilho de Lima.

Em Campinas, no sábado, dia 18 de agosto de 1934, o prefeito nomeado Perseu Leite de Barros, se prepara para a grande inauguração do monumento a Campos Salles e o interventor nomeado por Getúlio Vargas, o engenheiro Armando de Sales Oliveira, resolve aproveitar-se deste evento para reconciliar mais uma vez a alma campineira e paulista com o governo central do Brasil.

Os jornais anunciaram com bastante antecedência a programação da vinda do interventor para Campinas. Mas o fato é que Campos Salles foi esquecido nesta inauguração, que teve diversos outros campineiros enaltecidos como Fernão Salles, Joaquim Bonifácio do Amaral, além de politicamente o interventor utilizar a inauguração para prestar contas de um ano do seu governo no Estado de São Paulo.

O Interventor Armando de Sales Oliveira anuncia previamente pelos jornais a agenda sua em Campinas:

  • Partida pela manhã da estação da Luz em trem especial.
  • Chegada a Jundiaí com salva de 21 tiros de morteiro e partida anunciada para Campinas com 1 tiro de morteiro.
  • Em Jundiaí esperarão o Interventor os senhores, Doutor Horácio Antonio da Costa, Doutor Theodureto de Camargo, Doutor Sylvino de Godoy, Claudio Celestino Soares, Aníbal de Freitas, professor José Villagelin Netto, membros do diretório local do Partido Constitucionalista.
  • O tenente coronel Tenório de Brito comandante do 8° Batalhão de Polícia de Campinas prestará ao Interventor as continências de estilo acompanhado do corpo discente das escolas, casas de ensino e associações.
  • Às 13:00 horas após a chegada, o Interventor e sua comitiva caminharão até o Largo do Rosário – Praça Visconde de Indaiatuba, passando pelas ruas 13 de maio, Francisco Glicério, Conceição e Barão de Jaguara.
  • No largo do Rosário, Armando de Salles Oliveira fará a entrega do monumento a Campos Salles, ocasião em que discursarão Carlos Francisco de Paula pela municipalidade, doutor José Pereira da Cunha pelo Centro de Ciências Letras e Artes e em nome da família de Campos Salles o doutor Luiz Pizza Sobrinho.
  • Três aviões “Corsário” do exército, um de passageiros da Vasp e um planador do Aeroclube de São Paulo voarão sobre a praça atirando flores.
  • No Centro de Ciências, Letras e Artes estarão expostas as relíquias de Campos Salles pertencentes ao Museu daquela agremiação.
  • Das 14:40 às 15:40 recepção na Prefeitura Municipal, onde o Interventor será homenageado pelo Presidente do Conselho Municipal, doutor Carlos Stevenson.
  • Visita a Escola Normal e Escola Profissionalizante Bento Quirino onde  farão uso das palavras os professores José Villagelin Netto e José Minervino. Na Escola Profissionalizante Bento Quirino serão inauguradas as oficinas de fundição.
  • Visita ao Centro de Ciências Letras e Artes onde discursará o professor Nelson Omegna.
  • Às 20:30 no Teatro Municipal acontecerá um banquete para 500 talheres oferecido pelo Partido Constitucionalista, que reservará ao Doutor Paulo de Castro Pupo Nogueira o discurso de saudação  ao Interventor e sua comitiva, assim como será reservado tempo para o discurso do representante do 6º Distrito Eleitoral Doutor Antenor Candra.
  • Após o banquete,  um grandioso baile será oferecido  pela Sociedade Campineira ao Interventor e sua comitiva.[5]

O monumento a Campos Salles, não ficaria no largo do Rosário, compartilhando a praça Visconde de Indaiatuba com o povo de Campinas por muito tempo. Com a publicação da Lei 1457 de abril de 1956, inicia-se o alargamento da Francisco Glicério, a demolição da Igreja do Rosário e sua reconstrução no bairro do Castelo e um concurso para fazer da praça Visconde de Indaiatuba um centro Cívico, um local oficial para manifestações de civismo aberto à comunidade campineira. Foi eleito o projeto do arquiteto campineiro Renato Righetto, que trazia uma nova e moderna concepção, onde não haveria espaço para o monumento.

O Monumento foi retirado da praça, mutilado, pois perdeu sua base de granito, o que valeu um rebaixo de mais de um metro de altura e acabou sendo transferido para um espaço menor do que o local onde estava assentado. Uma rotatória nas confluências da Rua Onze de Agosto, Avenida dos Expedicionários e Avenida Campos Salles.

A transferência gerou discussão na imprensa e na sociedade campineira e ocasionou até ação judicial em fevereiro de 1960 por parte do escultor Yolando Mallozi, que pediu reparação pela retirada da base do monumento. Processo em que o escultor do monumento teve ganho de causa e mesmo assim o monumento permaneceu no mesmo lugar, contrariando a decisão judicial. [6]

A revolução de 1932 terminou, Campinas teve o seu monumento, se aliou ao progresso desmedido das grandes metrópoles e a escultura do personagem Campos Salles sentado ao pé da estação, vai dia a dia sendo esquecida e o seu nome desconhecido em sua própria terra.

[1] Jornal O Estado de São Paulo Edição 19287 de 19 de setembro de 1932 página 1
[2] Jornal O Estado de São Paulo Edição 19292 de 24 de setembro de 1932 página 2
[3] Jornal o Estado de São Paulo Edição 27943 de 24 de maio de 1966 página 2
[4] Jornal Diário Nacional Edição 01579 de 25 de setembro de 1932 páginas 1 e 3
[5] Jornal Correio de São Paulo Edição 00676 de 17 de Agosto de 1934 página 2
[6] De Casaca ao Pé da Estação – História do Monumento a Campos Salles – Dissertação de Mestrado de apresentada por Ana Rita Uhle no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.

Homenagem à João César Bueno Bierrenbach

 

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Digitalização da pintura óleo sobre tela de  Agnelo Corrêa.

Hoje, 07 de abril de 2022, dia do sesquicentenário de nascimento do  campineiro João Cézar Bueno Bierrenbach, encontrei uma forma simples para homenagear a data de 7 de abril de 1872, data em que a família Bierrenbach recebia o seu novo integrante. Fundador do Centro de Ciências Letras e Artes que abriga o Museu “Carlos Gomes”, Biblioteca “Cézar Bierrenbach” e Memorial “Campos Salles”, neste artigo, o homenageado não terá nenhuma revisão biográfica, mas buscarei relembrar um evento que teve lugar no salão nobre e pátio das arcadas da Academia de Direito da cidade de São Paulo.

Em 15 de novembro de 1892, houve uma sessão literária organizada por João César Bueno Bierrenbach contando com outros ilustres estudantes da Academia, entre eles Carlos Magalhães de Azeredo, ocupante da cadeira de número 9 da Academia Brasileira de Letras.

Foi uma comemoração dedicada à três poetas acadêmicos: Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela. Com muita solenidade em curso o evento virou notícia do jornal O Estado de São Paulo.[1]

No evento discursaram o senhor Joaquim Inácio Ramalho conhecido como Barão de Ramalho, diretor da Faculdade, o doutor Brasílio Machado, doutor Aureliano Coutinho e o acadêmico, amigo de João Cézar, Carlos Magalhães de Azeredo. Ao terminar a fala de cada orador, uma banda de música executava o hino acadêmico de Carlos Gomes e Francisco Leite Bittencourt.

O discurso final coube à João César Bueno Bierrenbach, “…que em brilhantes hipérboles saudou a memória dos três vultos acadêmicos, revelando grande e louvável entusiasmo pelo talento de Castro Alves”, assim declarado pelo periódico.

Após o discurso de João César a banda tocou o Hino Nacional para encerrar a sessão e seguir a comissão organizadora no ato de inauguração de três placas de mármores, que traziam gravados em baixo relevo, os nomes dos três poetas. O evento terminou com as três placas assentadas e inauguradas na fachada principal da faculdade deixando os nomes destes grandes vultos devidamente registrados no prédio e nos corações dos participantes do evento.

Em carta de 25 de novembro de 1892, o acadêmico Carlos Magalhães de Azeredo, comunicava ao seu mestre, amigo e incentivador Castro Alves o acontecimento, ao mesmo tempo que entregava os originais da sua produção literária “Procelárias” onde consta o poema “Desiludido”[2] juntamente com um conto do livro “Alma Primitiva” denominado “Um Caso da Boêmia”, publicado somente em 1895, ambos dedicados à César Bierrenbach.[3]

Reproduzir agora em minha página pessoal o poema “Desiludido”, que tem um quê de vaticínio relacionado a vida do meu homenageado, foi a maneira que encontrei para alargar um pouco mais a memória histórica deste grande vulto campineiro.

DESILUDIDO
(à César Bierrenbach)

Chegara o sábio da existência ao termo.
Sentindo o espesso gelo
Da morte, em suas veias circulando,
E os membros lassos do seu corpo enfermo
Pouco a pouco invadindo, convertendo o
Em cadáver inerte e miserando,

Com olhar tardo, e triste,
Caros objetos, que por toda a parte
O rodeiam, revê: são obras de arte,
Livros, painéis, lembranças de outras eras,
Em que o melhor do seu haver consiste.
Depois, travando a derradeira luta
Com a sua alma, em reflexões austeras
O passado perscruta.

Pensa: Lustraram amplo estádio, ansiosos,
Meus passos. Horizontes.
Imprevistos abri, no voo largo
De minha mente; não sonhados gozos
Provei… E o néctar dessas doces fontes
Pôs-me nos lábios um sabor amargo!

Eu penetrei a essência
Das coisas; tudo quis saber; diante
A dor mais negra, o abismo mais hiante
Não recuei. E quando o acerbo, duro,
Lento curso perfiz da experiência,
Ao invés do alquimista — pobre doido! —
Vi, entre minhas mãos, o ouro mais puro
Tornar-se pedra, e lodo…

Era jovem; amei. Consta que amado
Fui também algum dia.
Tempo dos deliciosos juramentos,
Como vais longe! É longe o teu reinado,
Quimera da vibrante fantasia,
Feita de ciúme e de ósculos sedentos!

Oh! esse amor supremo,
Imaculado encanto peregrino,
Celeste aspiração, sonho divino,
Bem vil o achei… Da poética beleza
Despido, era, por fim — dizendo-o tremo—
Um delírio carnal, bem cedo extinto,
De raiva atroz, eternamente acesa
Bruto e ferino instinto

Desesperado então, refugiei-me
Na ciência, calma e honesta,
Aqui não há — disse eu — traidora chama,
Que ao sentimento esquivo as asas queime.
Eis o almejado asilo que me resta;
Eis o nome da gloria que me chama!

Dias de faina rude,
Noites de febre, noites de vigília,
Num frio lar, sem culto e sem família!
Quantos problemas estudei, confiante
Do meu labor perene na virtude!
Que sei, em suma? Visionário louco!
Ante o universo, o teu saber tateante
É tão pouco! É tão pouco!

Tudo é nada. A esta fórmula sublime
Cheguei, Tanto o desejo,
Como a esperança, nada podem. Brade
Embora o mundo, que a mentira oprime,
Entre as verdades fúteis, que sem pejo
Ensinei, esta é a única Verdade!…

Carlos Magalhães de Azeredo – 1892

[1] O Estado de São Paulo Edição 5288 de 17 de setembro de 1892
[2] Azeredo, Carlos Magalhães de – Procellarias – Porto Typographia a vapor e Empreza Litteraria e Typographica, Porto – Portugal – 1898 páginas 168 – 170
[3] Assis, Machado de, 1839-1908. Correspondência de Machado de Assis : tomo III, 1890-1900 / coordenação e orientação Sergio Paulo Rouanet ; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. – Rio de Janeiro : ABL, 2011. 658 p. ; 21 cm. – (Coleção Afrânio Peixoto ; v. 98) – documento 287, página 19 ISBN 978-85-7440-229-1

Um Pouco de Futebol

Os Palmeirenses e os Italianos do Palestra

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Associação Atlética das Palmeiras

Palestra Itália – Palmeiras

Para os menos avisados com relação ao meu nome totalmente italiano, em razão de uma avó espanhola, grande parte dos meus primos foram iniciados desde pequeno a torcer pelo do São Paulo Futebol Clube. A atividade de pesquisador e o gosto de beber na fonte do passado me levam à agir como o motorista do auto que olha para a frente, para o que há de vir, e, mantendo os olhos nos retrovisores avaliam o cenário do que já passou, para se ter uma viagem tranquila e segura.

A grande verdade é que o Palmeiras de hoje trata-se do antigo Palestra Itália que em função da II Guerra Mundial, no ano de 1942,  foi obrigado a mudar de nome e passou a se chamar Sociedade Esportiva Palmeiras.

Este nome foi dado para reverenciar um time preto e branco denominado Associação Atlética das Palmeiras que se instalava na Chácara da Floresta onde tinha sede o  Clube de Regatas São Paulo, que foi antecessor do Centro Esportivo Tietê, local bem próximo da Ponte das Bandeiras (antigamente Ponte Grande de Santana).

A Associação Atlética das Palmeiras em 1904 disputou com o Internacional de Santos uma única vaga de acesso e venceu por 4 x 0 e passando a fazer parte da Primeira Divisão do Paulista.

Associação Atlética das Palmeiras foi campeã da Primeira divisão Paulista nos anos de 1909, 1910 e 1915.

Em 1916, a Associação Atlética das Palmeiras, emprestando jogadores, técnico e dando até treinamentos, ajudou o recém fundado Palestra Itália ganhar uma vaga para disputar o Campeonato Paulista de Futebol pela primeira vez.

Em 1920 descobri esta raridade, no Correio Paulistano de 17/07/1920 com o título “Football”.

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Correio Paulistano, sábado 17/07/1920 pag. 4 Ed 20488

Nesta mesma época, forma-se dois blocos de times: um pela profissionalização de atletas, liderados pelo Corinthians e Palestra Itália e outro bloco formado por Clube Atlético Paulistano, Sport Club Germânia e a Associação Atlética das Palmeiras que defendiam o amadorismo e elitismo.

Nos anos de 1926, 1928, 1929 e 1930 o bloco dos profissionalizantes com estrutura diferente e melhor organizado conseguem acabar com a Liga dos Amadores de Futebol.

Em 1928 a Associação Atlética das Palmeiras amarga o último lugar no campeonato Paulista. No ano de 1929 tenta se adaptar ao profissionalismo, mas com muitas dívidas e sem recursos para disputar o campeonato de 1930, se retira da Associação Paulista de Esportes Atléticos, a nova liga de futebol Paulista.

Extingue-se o Sport Club Germânia. O Clube Atlético Paulistano fecha o seu departamento de futebol e alguns profissionais e diretores se juntaram com outros do Sport Clube Germânia, que cederam recursos e arrebanharam jogadores, fundando assim o São Paulo Futebol Clube. O Tricolor Paulista herdou as cores que simbolizam a fusão das duas agremiações.

No mês de março de 1942, os conselheiros do Palestra Itália, mudam o nome do clube para Sociedade Esportiva Palestra de São Paulo, porém, ainda tendo interferências de vários setores da sociedade,  em 14 de setembro de 1942  o nome é mudado para Sociedade Esportiva Palmeiras.

No dia 20 de setembro de 1942, agora com um novo nome, a Sociedade Esportiva Palmeiras sagra-se campeã Paulista em um jogo cheio de erros da arbitragem a seu favor e muita pancadaria dentro de campo. O adversário São Paulo Futebol Clube deixa o campo aos 19 minutos do segundo tempo  depois de uma enorme confusão entre os jogadores. O jogo trazia o placar de 2 a 1 para a Sociedade Esportiva Palmeiras, que juntamente com o juiz Jaime Rodriguez Janeiro,  aguardaram os 20 minutos restantes para sacramentar a vitória e o campeonato para a Sociedade Esportiva Palmeiras.

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Correio Paulistano 22/09/1942 Ed 26545 página 6

 

Genaro Campoy Scriptore – Campinas, Dezembro de 2021

Ahasverus – E um encontro com Castro Alves

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Ahasverus – E um encontro com Castro Alves

O judeu errante, também conhecido como Aasvero, Asvero, Ahasverus, Ahsuerus, Ashver, é personagem da tradição oral cristã, muito conhecido na Espanha, Portugal, Pérsia e tantos outros lugares, como o judeu que cruzou o caminho de Jesus ao Calvário e que ao contrário de Simão Cirineu, não o ajudou, nem tampouco se compadeceu do sofrimento e agonia no caminho do Golgóta. Esta tradição oral, que teve início possivelmente, no Século VI nas celebrações da Quinta-feira santa ou da Sexta-feira da paixão. A lenda do judeu errante é contada e interpretada junto com a de Verônica, que no seu encontro com Jesus na via sacra, teria se compadecido e aliviado os sofrimentos do mestre. Verônica cujo nome vem do contração das palavras do latim Veron (Verdadeiro) e Icon (Imagem), se utiliza de um tecido branco onde enxuga o suor e sangue do rosto do martirizado, fixando nele a imagem sofredora de Jesus.

Segundo a lenda, Ahasverus, o sapateiro que tinha sua oficina no caminho da Via Crucis, teria ofendido, negado refrigério e até mesmo empurrado Jesus para que saísse de sua presença. Isto lhe rendeu uma eterna penitência de vaguear pelo mundo e nunca morrer.

No século XIX, Antonio Frederico de Castro Alves, conhecido como o poeta dos escravos e poeta republicano, elaborou uma das peças mais lindas sobre este tema, entre tantas outras famosas.

Castro Alves compara a figura melancólica de Ahasverus com os feitos de um gênio, que carrega a solidão de suas façanhas.

 

Ahasverus e o gênio

ao poeta e amigo J. Felizardo Júnior

Sabes quem foi Ahasverus?…— o precito,
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda…
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande… o forasteiro
Não teve onde… pousar.
Com a mão vazia —viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe —o grão de areia,
A gota d’água —rejeitou-lhe o mar.

D’Ásia as florestas —lhe negaram sombra
A savana sem fim —negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó!…
Tabas, serralhos, tendas e solares…
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.

Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão…
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração!…

E caminhou!… E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra…
Ele que só pedia sobre a terra
—Silêncio, paz e amor! —

No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
“Ele não morre”, a multidão dizia…
E o precito consigo respondia:
—”Ai! mas nunca vivi!”

O Gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…

Pede uma mão de amigo —dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor —e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de glória em glória corre…
Mas quando a terra diz: —”Ele não morre”
Responde o desgraçado: —”Eu não vivi!…”—

Castro Alves – Obra Completa, páginas 86 e 87 Editora Nova Aguilar São Paulo 1986.

Rememorando Doutor Francisco Quirino dos Santos

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Jornal Diário de Campinas – Folha Popular de 07 maio 1886 Fotografia de Henrique Rosén

 

Nestes dias do mês de Maio de 2021, esperei, li e reli os jornais campineiros e paulistas, e pouco vi, ou diria, que quase nada vi, rememorando o dia da morte de um dos maiores nomes de Campinas no mundo jornalístico e na imprensa brasileira.

Passou o dia 06 de maio e fiquei pasmo, nada. Como a memória se perde? Como pode os profissionais de imprensa, perderem-se entre as “Fakes News” e esquecerem completamente a figura do poeta, jornalista, político e valoroso construtor da identidade republicana e campineira?

No dia 15 de maio de 2021, surge na página A2 do jornal “Correio Popular” de Campinas, matéria do iminente Presidente da Academia Campineira de Letras e do Conselho Deliberativo do Centro de Ciências, Letras e Artes, Jorge Alves de Lima, historiador incansável das tradições campineiras. Entendo que as homenagens feitas foram poucas diante da grandeza desta figura campineira, que teve papel destacadíssimo em nossa sociedade do século 19.

Doutor Manuel Ferraz de Campos Salles, assim se manifestou, no ano de 1887, no prefácio de uma das biografias[1] deste nobre campineiro “Doutor Francisco Quirino dos Santos”:

“As paixões são mais enérgicas do que as reminiscências, as aspirações que as saudades”, disse-o Alexandre Herculano[2], o opulento escritor da predileção de Quirino dos Santos.

E’ por isso que tenho como um serviço de maior valia todo o esforço, como este, destinado a perpetuar na memória dos concidadãos as glórias da pátria e despertar-lhes os afetos “pelo que foi grande e nobre na história do país.”

Em 07 de maio de 1886, um dia após a morte de Quirino dos Santos, assim escrevia Alberto Sarmento na Edição 3127, página 1, no jornal de sua propriedade, “Diário de Campinas” – Folha Popular:

ADEUS!

Não sei o que deva lamentar primeiramente — se a perda de um exemplaríssimo chefe do família, se a perda de uma das glórias desta terra, de um conterrâneo ilustre!

Por um lado, a esposa extremosíssima e os filhos idolatrados que sobrevivem às dores profundíssimas de uma perda irreparável, fatal; por outro, a mão estremecida que vê desprender-se de seu seio, em um adeus eterno, o filho dileto!

As lágrimas angustiosas da família e a dor imensa que a tortura… não se descrevem; o último adeus a um amigo e cidadão emérito, desprende-se-nos dos lábios com profundíssima saudade e pesar…

Adeus!

Alberto Sarmento.

Hoje, 17 de maio, exatamente onze dias após o 06 de maio, me sinto no dever de relembrar este evento lamentando o desconhecimento que a sociedade campineira tem por esta figura ímpar, inteligente, gentil, causídica, literata e profissional de imprensa. Um apaixonado pela sua cidade, que causava em seus oponentes admiração pelo cavalheirismo e a forma que conduzia suas elegantes ações. Profissional que transbordava a ética de quem respeita o ser humano independente de suas ideias ou partidos.

Não devo falar muito de sua carreira neste artigo, pois trabalho com muita intensidade para deixar registrado um pouco mais de sua vida profissional e pessoal. Uma aventura que me lancei,nestes últimos tempos, na construção de uma literatura sobre a Campinas do século XIX, assim como tantos outros o fizeram no passado.

E para deixar quem sabe, uma inspiração, para aqueles que desejam se aventurar na busca do patrono literato da Academia Paulista de Letras, o campineiro e brasileiro notável, Francisco Quirino dos Santos, que em Alexandre Herculano, aproveito para completar as palavras iniciais e transcritas acima por Manuel Ferraz de Campos Salles:

“Gloria, lucro, respeito, bênçãos são para aquele que afaga com palavras mentidas as preocupações populares; para aquele que, sem discernimento, louva, adorna ou repete como eco as opiniões que ao redor dele, talvez por cima dele, esmagando a consciência. passam como torrente. Tumultua o gênero humano correndo ao longo dos séculos: o louvador, às vezes, o promotor do tumulto, se a natureza lhe concedeu imaginação e talento, vai adiante como capitão e guia da geração que corre ébria: incita-a, arrasta-a, deslumbra-a. As coroas, voam-lhe do meio da turba sobre a cabeça. Verdade é que ao cabo de tanto lidar, ele se precipitará com essa geração no abismo do passado; verdade é, que o abismo se fechará para ele com o selo da reprovação de cima, e que, porventura, não tardará que o futuro passe por aí a sorrir, ou se afaste com tédio do sepulcro tênue do erro ou da vilania. Mas isso que importa? O homem que vendeu ao século a consciência e o engenho, que Deus não lhe deu para mercadejar com ele, foi bem considerado e glorificado enquanto vivo; foi precursor do progresso, embora este seja avaliado algum dia como progresso fatal!”

“…O que havemos dito é crua verdade; mas é a verdade. Há nesta época dois caminhos a seguir; um, estrada larga, batida, plana, sem precipícios, mas que conduz à prostituição da inteligência; outro, vereda estreita, tortuosa, contrariada, mas que se dirige ao aplauso da própria consciências. Aqueles cujas esperanças não vão além dos umbrais do cemitério e que aí veem, não o termo de sua peregrinação na terra, mas o remate da existência, que sigam a fácil estrada.[3]

Revisitar Francisco Quirino dos Santos, não deveria ser apenas uma questão de pesquisa histórica ou de literatura romântica do século XIX, é uma questão de dignidade, ética, patriotismo e civismo com uma cidade, uma nação para despertar corações adormecidos na missão jornalística do profissional de imprensa.

 

[1] Homenagem póstumas a F. Quirino dos Santos: apontamentos biográficos / com prefacio do Dr. M. F. Campos Salles; editor J. Salles Pinto. – Campinas, SP: Tipografia. Correio de Campinas, 1887.
[2] Opúsculos – Tomo II Monumentos Pátrios – Lisboa, Portugal – Casa da Viúva Bertrand – Lisboa 1838 página 4
[3] Opúsculos – Tomo II Monumentos Pátrios – Lisboa, Portugal – Casa da Viúva Bertrand – Lisboa 1838 página 5-6

Uma Revisão Literária sobre Dante Alighieri pelo Visconde de Inhomirim.

Visconde_Dante-300x214 Uma Revisão Literária sobre Dante Alighieri pelo Visconde de Inhomirim.

O Visconde de Inhomirim e Dante Alighieri

 

Em comemoração aos 700 anos da morte de Dante Alighieri

Novamente o acaso, cruzando meu caminho. Durante minhas pesquisas na busca de subsídios para uma obra pessoal, encontro a figura do Visconde de Inhomirim, Francisco de Sales Torres Homem, carioca, escritor, político, formado em medicina e direito, diplomata do segundo império, opositor ferrenho da Regência Una do Padre Diogo Feijó, cujas críticas transbordavam nos jornais da imprensa do segundo império.

Discípulo de Evaristo da Veiga, Torres Homem, formado na Universidade de Paris, Sorbonne, França, dominava o francês, inglês, latim e português com maestria. Filho de um padre de vida desregrada, chamado Apolinário Torres Homem e de Maria Patrícia, mulher negra alforriada, que no Rio de Janeiro, Largo do Rosário, hoje Praça Antonio Prado, exercia a profissão de quitandeira. Nesta região, era conhecida como Maria “Você me mata”.

Francisco Sales Torres Homem, o primeiro negro a defender a causa abolicionista, ilumina o intelecto do leitor do jornal O Despertador: Diário Comercial, Político, Científico e Literário do Rio de Janeiro, por ele dirigido durante os anos de 1838 a 1841, com um estudo literário sobre Dante Alighieri. Esta publicação do dia 6 de dezembro de 1839, edição de número 500, páginas 1 e 2, é de uma extraordinária riqueza de detalhes que nos dias de hoje poderia facilmente ser tema para uma tese universitária.

Conta Torres Homem que, no século 14, a língua e a poesia italiana não existiam ainda e que foi fertilizada pelas obras de três grandes renascentistas: Dante Alighieri, Francesco Petrarca e Giovanni Bocaccio.

Para Torres Homem, Dante Alighieri é a estrela principal entre os três. Com base na crítica do seu professor do Curso de Literatura Francesa, (Cours de littérature Française), Abel-François Villemain, e por algumas ideias que teria retirado da Biblioteca Acadêmica da Universidade de Paris.

Torres Homem, compara Dante Alighieri a Homero, figuras que prestaram serviços significativos ao idioma de seus países. Dante teria encontrado a língua italiana nas mesmas condições que Homero encontrara o grego popular. Uma língua informe, falada em dialetos que variava de província a província, de vila a vila, o que descaracterizava o idioma pátrio. Para unifica-lo era preciso que aparecesse um escritor que tivesse a habilidade de sujeitá-lo ao seu talento, fazendo brilhar, como um meteoro, a sua poesia e sua escrita, criando um espetáculo literário que iluminasse o mundo todo, assim como fez Homero.

Segundo Torres Homem, Dante Alighieri foi para a Itália, o genial escritor e literato que em uma terra inculta, realizou o primeiro trabalho no qual o idioma se sujeita ao estilo poético, criativo e engenhoso do autor. Adaptou-o a assuntos vários, tornou-o flexível a todas as nuances de sentimentos, buscando nos diversos dialetos falados na península itálica as locuções mais felizes e as palavras mais significativas incorporando-as em sua obra, assim como a abelha que do pólen de várias flores cria o suco dulcíssimo do mel.

Esse poeta dedicou seus primeiros versos a uma bela jovem, chamada Beatriz que, em Florença, viu a morte chegar prematuramente, plantando na mente laboriosa do escritor, sentimentos de um amor ardente e permanente, cheios de sensibilidade doce e terna, carregados do perfume da mais suave melancolia.

Conta-nos o Visconde que certo dia, no ano 1304, visitou Florença o Cardeal bispo de Óstia-Velletrio, Niccollò Albertino, filho do conde de Prato, também chamado como Niccolò da Prato, ou Nikolaus von Prato. Durante esta visita divulgou-se, ao som de trombetas, que aqueles que desejassem receber notícias do outro mundo, do mundo invisível dos mortos, deveriam vir à ponte “Alle Carraia”, a segunda ponte construída sobre o Rio Arno, feita de pedra e madeira e que ligava Florença ao interior da Itália. Na Ponte foi levantado um teatro onde artistas usando máscaras demoníacas, representavam os suplícios do inferno, precipitando-se em chamas, interpretando condenados rangendo dentes e desferindo gritos horríveis sobre a plateia atônita. Em um determinado momento, a Ponte não suportou o peso da multidão e dos artistas e desmoronou. A curiosidade com as coisas do outro mundo, agora, se tornava realidade para as pobres vítimas do evento, vitimadas de forma mortal.

Torres Homem enfatiza que foram muitos os estudiosos de Dante Alighieri que referenciam este evento como a inspiração das primeiras ideias da “Divina Comédia”. O século 14, era um tempo em que a religião tudo influenciava – superstições, o pecado, o medo e até mesmo a submissão clerical devotada por fiéis católicos – o que abria, de certa forma, um caminho para a poesia e para a música, recheadas de curiosidade sobre a morte e a vida pós-morte. O povo julgava Dante Alighieri um viajante das regiões infernais, e dos meandros do purgatório, colecionador de mapas, itinerários e trilhas geográficas desses lugares desconhecidos.

Em certa ocasião, conta-nos o Visconde, que em uma rua de Verona uma mulher do povo mostrou-o à sua vizinha nestes termos: – “Vedes aquele homem, que vai ao inferno quando quer, e vem contar o que viu?”. Ao que outra respondeu que “não era difícil reconhecê-lo pela sua barba meio queimada, e pela tez enegrecida pelo fogo e o fumo”.

As disputas ocasionadas pelo clero e pelo Sacro Império Romano-Germânico geravam uma época de confusão e depressão e deram a Dante Alighieri uma rica fonte de inspiração, com episódios vários, até mesmo incluindo o próprio autor. Dante relata com paixão e maestria opiniões, costumes, conflitos de paixões e de acontecimentos.

A obra de Dante Alighieri apresenta um itinerário poético de três mundos, marcado por viagens através do Inferno, Purgatório e Paraíso. O viajante desce pelos dez recintos do inferno como se fosse, figurativamente, um cone com sua base circular voltada para cima, cuja ponta coincide com o centro da terra, local onde repousa o corpo de Lúcifer. Depois de passar pelo centro da terra, segue em tropa pelo hemisfério austral, até uma ilha onde se acha o Purgatório, montanha feita em cone truncado, cone com ponta achatada em formato cônico, onde se situa o Paraíso. Esta referida montanha com sete diferentes alturas, ou planos, da base até o cume onde termina o Purgatório e começa o Paraíso. Dante, depois de saudar a morada de nossos primeiros pais, continua sua jornada elevando-se até a morada de Ptolomeu na décima esfera, onde a divindade reside. Dia após dia, Dante nos proporciona um relato fiel do que viu e ouviu no caminho de suas aventuras.

Continua Torres Homem relatando que, no começo do canto do Paraíso, com seus arroubos de entusiasmo e suas frequentes invocações, as musas são carregadas de ingenuidade encantadora. Apavorado com a enorme tarefa que o força a subir o cume dobrado de duas colinas, pede a Apolo que tome conta de sua alma. Que faça cair sobre ele e sua missão os sons provocados pela sua lira que venceu a flauta do fauno Marsias, causador de tão desgraçado desafio musical entre ele e Apolo. A derrota do fauno trouxe como consequência o castigo terrível de ser amarrado a um tronco de árvore e esfolado vivo. O estudo do Visconde menciona que no Poema do inferno são elevados ao mais alto tom o negro e o terrível. Já no Purgatório pode se respirar a melancolia piedosa da penitência resignada, com ar sombrio, como um doce crepúsculo em perspectiva. No canto do Paraíso, a calma, a serenidade, o êxtase, o sublime da religião. Chama a atenção Torres Homem que os críticos são unânimes em afirmar, que a inscrição na porta do Inferno pode ser traduzida como a transcendência do terror:

“Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!”

(Renunciai a toda esperança, vós que entrais) – Inferno Canto III

E ao passar por esta porta infernal, é impossível deixar de se escutar suspiros, soluços profundos, queixumes atrozes que retumbam nos dias e nas noites.

O patético e o terrível são extremamente aplicados no canto em que Dante narra a horrorosa história do conde Ugolino, que perece de fome com seus filhos na torre de Pisa. Com certeza este é um momento na obra que excede a qualquer obra produzida, impossível de ser lida sem o sentimento de piedade e terror, frisa Torres Homem.

E continua sua análise, com bastante propriedade:

“Que espetáculo oferecem esses meninos que, em seus sonhos, pedem pão com soluços e gritos dolorosos; e que, depois de acordados, imploram a compaixão de seu pai, também esfaimado, e passam dois dias a olhar uns para os outros com uma dor muda.” Inferno Canto XXXIII

O Visconde, em seu estudo, não perde um detalhe e traz em seus comentários que na passagem pelo Inferno Dante mostra seu espírito de sátira, de uma sátira violenta, atroz que, através das palavras enterra sua lâmina envenenada nos mais profundos recônditos da alma do leitor. Seria uma justificativa para tal espírito os infortúnios sofridos por Dante Alighieri? Seria este o gênio natural do poeta, que transitou entre Guelfos e Gibelinos? Guelfos, que se alinhavam ao clero, aos papas e à liberdade das cidades e os Gibelinos, que se alinhavam ao Imperador do Sacro Império Romano-Germânico.

Aqui inicia o Visconde uma análise pessoal de Dante Alighieri. Dante havia sido guelfo à frente da magistratura em Florença. Mas, uma divisão interna entre Guelfos Brancos e Guelfos Negros provocaram disputas e discórdias que não permitiram reconciliações. Depois de ter sido expulso de Florença, Donato Corsi, inimigo mortal de Dante Alighieri, retorna sob a proteção do papa Bonifácio VIII e de Carlos di Valois, filho de Felipe III, da França, este, para servir de pacificador entre Guelfos Brancos e Negros e reprimir as lutas entre as facções. Carlos di Valois, atendendo aos pedidos secretos do pontífice, reprime severamente o partido dos Brancos com uma longa série de exílios, assassinatos, confiscos e incêndios, favorecendo assim o triunfo dos Guelfos Negros. Tal violência acaba envolvendo também Dante Alighieri que, várias vezes, manifestou-se com muita dureza nos órgãos municipais contra a presença de Carlos de Valois em Florença.

Dante Alighieri, da mesma forma, seria expulso de Florença e passaria o resto de sua vida exilado de sua cidade, mas o seu rancor com o clero papal acaba por transforma-lo em um Gibelino, inimigo figadal dos papas.

O Visconde traz à lembrança que, “as feridas no coração do poeta Dante Alighieri gotejavam dor e sangue” e ao escrever sua obra prima durante os doze primeiros anos do seu banimento de Florença, elas se abriam a todo instante. E questiona veementemente, o Visconde, analista literário: “Devemo-nos, pois, admirar de ver o seu ressentimento em versos cheios de força e furor?”

Continua com bastante ênfase, que o tema escolhido por Dante Alighieri o deixava bastante à vontade para saciar a sua própria vingança. Seus inimigos o exilaram de sua pátria, ele também os exilará da pátria celeste e os mergulhará em lagos de fogo no inferno. O alvo se volta sem piedade para coroas reais, mitra episcopal, chapéu de cardeal, tiara sagrada de sumo pontífice. Para Dante, toda a Itália não é aos seus olhos “senão uma morada de dor, um navio sem piloto”, não é mais a rainha do mundo, “mas sim uma vil escrava, um lugar de crápulas e prostituição”:

Ahi, serva Italia, di dolore ostello,

(Ai, serva Itália, da dor albergue)

Nave senza nocchiero in gran tempesta,

(Navio sem timoneiro, na grande tempestade)

Non Donna di province, ma bordello.

(Não mulher da província, mas de bordel)

Purgatório Canto VI

O Visconde de Inhomirim afirma que a audácia de Dante Alighieri cresce à medida que se expõe a maiores perigos, e sobe ao cúmulo quando chega às ordens religiosas, aos papas e seus ministros. Amontoando no inferno papa sobre papa, fez de todos uma coleção perpendicular com a cabeça para baixo e os pés para cima.

Dante Alighieri reserva ao seu perseguidor, o papa Bonifácio VIII, todos os raios possíveis da vingança, descrevendo-o com as tintas mais negras retiradas do fel da amargura encravada nos recônditos da alma.

No inferno de Dante podem-se encontrar as mais variadas punições. Os preguiçosos e indolentes que, nem bem, nem mal fizeram, são condenados a correr incessantemente. Os heréticos estão estendidos em sepulcros ardentes de um vasto cemitério. Os suicidas, encerrados dentro de vegetais, são os hamadríadas; as ninfas dos bosques que na mitologia nasciam encerradas dentro de uma árvore, não reassumirão seus corpos no dia da ressureição, por que não seria justo que lhe restituíssem o que voluntariamente renegaram. (Inferno Canto XIII)

Assim narra, o Visconde:

“Os blasfemadores estão deitados em supinação sob as chamas que os envolvem! Os fogos de Sodoma caem em chuva sobre seus habitantes, e sobre os que lhes imitaram os costumes perversos. Os sedutores de mulheres são fustigados e cozidos em um lago de fogo, onde os demônios os viram, à semelhança de um cozinheiro experimentado que revolve à carne.” (Inferno Canto XXI)

Serpentes dilaceram os salteadores e assassinos, e os fazem passar pelas mais singulares metamorfoses. Enfim, um rio gelado é destinado aos traidores da pátria, seus parentes e benfeitores. (Inferno Canto XXXII)

Torres Homem chama a atenção para este canto XXXII, onde Dante, que conhecia como ninguém o som das palavras, busca versos roucos, duros, e receando que a língua italiana não lhe forneça os sons que deseja recorre ao expediente de endurecer o estilo, emprestando do alemão sons como: (1) Danoia in Ostericchi (rio Danúbio na Áustria), (2) Tambernicchi (nome antigo do Monte Tambura, na Toscana), (3) Pietrapana (nome antigo do monte Pania de la Croce, na província de Luca, na Toscana), (4) borda cricchi (Se essas montanhas, tivessem caído no lago de gelo, não teriam craquelado as camadas da borda).

“Non fece al corso suo sì grosso velo

(Não fez seu curso tão espesso véu)

Di verno la Danoia in Ostericchi (1)

(No inverno o Danúbio na Áustria)

Nè ’l Tanai tà sotto ’l freddo cielo,

(Nem o Tanai sob o céu frio)

Com’ era quivi: che se Tambernicchi (2)

(Como lá estava: que o Monte Tambura

Vi fosse su caduto, o Pietrapana (3)

Lhe tivesse caído sobre o Pietrapana

Non avria pur dall’orlo fatto cricchi (4)”.

(Não teria as bordas feito rachar)

Conclui Francisco de Sales Torres Homem, o Visconde Inhomirim, dizendo que a grande arte de Dante Alighieri está na maneira como ele combina sons, palavras e imagens. Talento poético que proporciona imagens encantadoras e singelas.

Como exemplo o Visconde toma os versos do Canto XXIII do Paraíso, que descreve a imagem do pássaro vigilante que, durante a escuridão da noite, repousa com seus filhos em um ninho oculto na espessura das folhagens, cuidando das suas crias implumes à espera de um novo dia.

Este canto é uma das imagens de Dante Alighieri mais citadas pelos críticos, no sentido de definir a pureza do amor divino, caridoso, esperançoso e triunfante nos cuidados pelos seus filhos.

Impossível não se enternecer com os versos deste canto:

Come l’augello intra l’amate fronde

(Com o pássaro entre amados ramos)

Posato al nido de’ suoi dolci nati,

(Pousado no ninho com seus doces rebentos)

La notte, che le cose ci nasconde,

(A noite, que as coisas nos escondem)

Che per veder gli aspetti desiati.

(Que ao ver os aspectos desejados).

E per trovar lo cibo onde li pasca.

(E encontrar comida para alimentá-los)

In che gravi labori li son grati,

(Em sérios trabalhos lhe são gratos),

Previene ’l tempo in su l’aperta frasca,

(Calcula o tempo em seu ramo saltitante),

E con ardente affetto il Sole aspetta,

(E, com ardente afeto, o sol espera),

Fiso guardando pur che l’alba nasca;

(Vigiando constantemente o nascer da alvorada).