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Óleo sobre Tela 65,6 x 100×74,6 Autoria atribuída a Henrique Manzo e disponível no Museu Paulista sobre o código 1-19375-0000-0000-01 Negativos em Papel e Cópias Contato de originais pertencentes aos descendentes de Hercules Florence e a Biblioteca Nacional
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Discurso proferido no dia 7 de junho de 2024 em Homenagem ao Combate da Venda Grande
Digníssimo Presidente do Centro de Ciências Letras e Artes, Diretoria, Conselho, Autoridades Militares e Civis, convidados, senhoras e senhores presentes, neste momento em que rememoramos o passado de nossa cidade, revivendo o episódio cívico de amor à pátria e do valoroso espírito paulista e brasileiro, encarnado na memória histórica das instituições, como o Exército Brasileiro, a Polícia Militar, o Centro de Ciências Letras e Artes, e tantas outras, elevamos nossos pensamentos e revivemos nossos heróis, dignos guerreiros defensores de nossa liberdade e de valores cívicos inegociáveis na construção da sociedade.
Estas instituições e seus membros representam um legado de dedicação e sacrifício, firmando-se como pilares na defesa dos direitos e na promoção da paz e do progresso. Ao evocarmos estas memórias, reafirmamos nosso compromisso com os princípios de justiça, honra e patriotismo que sustentam nossa identidade coletiva. Que possamos, inspirados por esses exemplos de bravura e integridade, continuar a construir uma sociedade mais justa e solidária, honrando o legado de nossos antecessores e assegurando um futuro digno para as próximas gerações.
Sim, nossos heróis paulistas, de cerviz altiva, espíritos que dobram, mas não quebram, tomam forma em nossas mentes e corações, inspirando-nos em exemplos, modelando atitudes a serem seguidas. Assim como hoje, no século quinto antes de Cristo, Tucídides, ao narrar a História da Guerra do Peloponeso, guerra entre Esparta e Atenas, registra uma cerimônia cujo rito era homenagear os soldados gregos.
A cerimônia grega apresentava o seguinte ritual:
• Os ossos e os restos do que sobravam dos soldados mortos eram expostos em um tablado, sob um toldo, por três dias;
• Os habitantes gregos traziam para os seus mortos as oferendas desejadas.
• No dia do funeral, ataúdes de cipreste eram trazidos em carretas e distribuídos um para cada tribo familiar que receberiam os ossos e restos dos soldados que fossem identificados.
• Um ataúde vazio recebia os ossos dos cadáveres que não foram identificados ou encontrados para o sepultamento.
• Por fim, todos os ataúdes eram depositados em um mausoléu oficial, escolhido para ficar no mais belo local do subúrbio da cidade.
• Os mortos em combate por seus méritos excepcionais, eram enterrados no próprio local da batalha.
Empresto as palavras de Tucídides, para honrar os mortos em batalha com uma oração fúnebre, que caberia perfeitamente em nossas homenagens de hoje:
“Falarei primeiro de nossos antepassados, pois é justo e ao mesmo tempo conveniente, numa ocasião como esta, dar-lhes este lugar de honra rememorando os seus feitos. Na verdade, perpetuando-se em nossa terra através de gerações sucessivas, eles, por seus méritos, transmitiram estes feitos de forma livre até hoje. Se eles são dignos de elogios, nossos pais o são ainda mais, pois aumentando a herança recebida, constituíram a história e a sociedade que agora possuímos, e, a duras penas nos deixaram este legado, a nós que estamos aqui e para as gerações futuras”
Assim como os antigos gregos homenageavam seus heróis com ritos solenes, nós também devemos perpetuar a memória dos nossos valorosos combatentes, revivendo suas histórias e mantendo viva a chama de seus ideais.
A Revolta Liberal de 1842 foi um movimento de resistência contra o centralismo do governo imperial, refletindo o espírito indomável e a busca pela autonomia que caracterizava os paulistas e outros brasileiros envolvidos na causa. No Combate da Venda Grande, as forças liberais enfrentaram bravamente as tropas do governo, demonstrando coragem e determinação em defesa dos ideais de liberdade e justiça.
O Combate da Venda Grande é precioso para nossa cidade e para nossa história. Devemos contá-lo, sempre que possível, para nossos filhos e netos. É uma das batalhas da Revolta Liberal de 1842, e deve ser lembrada como uma intentona capitaneada pelo Conselho da Sociedade dos Patriarcas Invisíveis, que tinha como líderes o padre Diogo Antônio Feijó, Raphael Tobias de Aguiar, Teófilo Ottoni, José Feliciano Pinto Coelho, o padre casado José Martiniano de Alencar, pai de José de Alencar, o padre José Bento Leite Ferreira de Mello, padre José Custódio Dias, Antônio Paulino Limpo de Abreu e outros que buscavam instaurar um governo mais representativo e menos autoritário. O confronto representou um dos muitos esforços para resistir às políticas centralizadoras e lutar por um Brasil mais justo e democrático.
A Sociedade dos Patriarcas Invisíveis, com sede no Rio de Janeiro era composta por figuras proeminentes e influentes, que acreditavam firmemente na necessidade de uma maior autonomia provincial e na manutenção dos valores constitucionais. Este grupo estava insatisfeito com as medidas centralizadoras da regência de Pedro Araújo Lima, o marquês de Olinda.
No sul do Brasil, desde 1835, a Revolta Farroupilha desafiava o governo imperial, que não conseguia encontrar medidas repressivas suficientes para abafar o conflito.
O regente equilibrava-se na condução do Império, defendendo o Imperador e a Constituição. Tanto o regente quanto a Sociedade dos Patriarcas Invisíveis tinham os mesmos propósitos, mas procediam de modos distintos.
Pressionados pelos liberais e pelo povo, o senado de maioria conservadora, na sessão da assembleia do dia 23 de julho de 1840, sob a presidência do “Marquês de Paranaguá” e com a presença de Sua Majestade o Imperador, 33 senadores e 84 deputados escutam a o juramento de Dom Pedro II que aos 14 anos é declarado apto a subir ao torno declaração da maioridade aos 14 anos
Um ano depois, em uma segunda-feira, no dia 18 de julho de 1841, Pedro II foi sagrado Imperador do Brasil e os festejos foram até o dia 24 de julho de 1841 quando foi realizado baile de gala no paço da Boa Vista com muito glamour.
Em primeiro de maio de 1842, devido às irregularidades nas eleições provinciais, Dom Pedro II dissolveu a Câmara dos Deputados. No dia 4 de maio, ele expediu o decreto número 157, que estabelecia as instruções e procedimentos para a realização de novas eleições provinciais. Diversos historiadores consideram essas ações do governo imperial como fatores fundamentais para desencadear a Revolução Liberal de 1842.
Os liberais, exasperados, decidiram destituir o Presidente da Província, o Barão de Monte Alegre, José da Costa Carvalho, e, simultaneamente, nomear Raphael Tobias de Aguiar como o novo presidente da Província.
Em 13 de maio de 1842, José da Costa Carvalho, Barão de Monte Alegre e presidente da Província de São Paulo, reportou ao ministro da guerra, José Clemente Pereira, os temores manifestados na capital e no interior de São Paulo.
“Os habitantes desta cidade, São Paulo Capital, têm sofrido graves temores pelo que observam na cabeça da oposição; eu, porém, não receio pela segurança da capital; existe no quartel uma guarnição de 300 homens, e, que passo a expedir ordens para que sejam elevados já, a 600; mas esta medida não pode ser realizada sem alguma demora. Para conter, pois, a cidade de Sorocaba e outros lugares que pretendam imitá-la, é indispensável que Vossa Excelência faça marchar para Santos, a maior força disponível de que seja possível lançar mão”.
Às dez horas do dia 17 de maio de 1842, na Câmara de Sorocaba, liberais aquartelados, povo, tropa da Guarda Nacional, políticos, autoridades civis e militares declararam Raphael Tobias de Aguiar como Presidente da Província de São Paulo. A justificativa foi que o imperador Dom Pedro II estava sob coação, dominado por uma associação facciosa.
No dia 18 de maio, às oito horas da manhã, quatro barcas a vapor – “A Especuladora”, “Paquete do Sul”, “Pernambucana” e “São Sebastião” – zarparam do porto do Rio de Janeiro com mais de 700 praças do 12º batalhão de caçadores, com destino a Santos.
No dia 19 de maio, mais 400 praças do batalhão dos fuzileiros seguiram pela estrada de Santa Cruz e embarcariam no vapor “Todos os Santos”, juntamente com o comandante em chefe do Exército, General Luiz Alves de Lima e Silva, na época, o barão de Caxias.
Caxias não precisou vir a Campinas; enviou o Coronel Amorim Bezerra com 3 cadetes do 12º batalhão para instruir os improvisados soldados conservadores. Uma força de soldados militarmente preparados, conhecidos como Guarda Municipal Permanente, chegou em Campinas vinda de São Paulo no dia 6 de junho de 1842, liderados pelo Capitão Pedro Alves de Siqueira.
Os soldados da guarda pessoal do Padre João José Vieira Ramalho, fundador da cidade de São João do Jaguary (hoje São João da Boa Vista), juntaram-se à Guarda Municipal Permanente. O padre Ramalho possuía uma milícia particular para defender seus interesses e sua fazenda, a Boa Vista.
A força local da cidade de Campinas, composta por soldados da Guarda Nacional, liderados pelo Coronel José Franco de Andrade e pelo Major Joaquim Quirino dos Santos, além de soldados sob o comando do Coronel Antônio de Queiróz Teles, Barão de Jundiaí, se uniriam aos combatentes do lado do Império.
No dia 7 de junho, o coronel Amorim Bezerra liderou 120 homens de cavalaria e infantaria em direção à fazenda da Lagoa, no Engenho da Lagoa ou Venda-Grande, exatamente aqui onde estamos. Este sítio, conhecido como “Venda Grande”, era uma parada comum para os viajantes que seguiam em direção à cidade de Limeira.
Olhando ao redor, deste ponto até onde nossa vista alcança, estavam reunidos não mais do que 300 ou 350 rebeldes, portando armas de caça, armamentos de pequeno calibre e até mesmo algumas de fabricação própria.
Os rebeldes eram fazendeiros, gente comum, alguns até participantes da Guarda Nacional, com laços familiares e de amizade com os liberais que elegeram Raphael Tobias de Aguiar, Presidente da Província de São Paulo, liderados e aconselhados pelo padre Diogo Antônio Feijó, o paulistano campineiro.
Em 31 de maio de 1842, uma carta de Tristão de Abreu Rangel, comandante em chefe das forças de Itu, para Raphael Tobias de Aguiar, traz a informação de que reforços liderados pelo capitão Boaventura do Amaral seguiriam de Itu para Campinas o mais breve possível; dizia a carta:
“O Boaventura os levará, porém, ele deve voltar, porque é o Único Oficial que temos de confiança”.
Em uma carta datada de 6 de junho de 1842, Tristão de Abreu Rangel confirma o envio de armamentos, escrevendo para Tobias de Aguiar:
“Para Campinas marcharam 130 praças de linha, 30 bestas carregadas com armamento, e uma peça…”.
Possivelmente tal peça, um canhão de artilharia, seria a mesma que ficou estacionada na Venda Grande e que nunca foi usada, por falta de preparo dos revoltosos, ou mesmo por estar inutilizada e que ainda assim foi enviada aos rebeldes de Campinas.
Depois do conflito, o sogro do primeiro casamento de Hercule Florence, o doutor Francisco Álvares Machado, comentava em sua família sobre a falta de estratégia, organização e preparo do exército de Raphael Tobias de Aguiar, comandado pelo Major Francisco Galvão de Barros França. Ele observou que o Major Galvão não percebeu que concentrar suas forças na defesa da estrada da Serra de Santos seria fundamental para proteger a capital e o interior da Província. Acreditava-se que essa estratégia tornaria quase impossível o avanço das tropas de Caxias. No entanto, para ter sucesso na defesa da estrada de Santos, construída com grande dificuldade por Aguiar, era necessário manter certo sigilo entre os revoltosos, o que não ocorreu.
O doutor Francisco Álvares Machado fechava o seu comentário dizendo:
“…, mas, meu amigo, em vez disto, onde foram proclamar a revolução, no entusiasmo generoso, porém irrefletido de um banquete.”
O despreparo dos revoltosos era tão evidente que soldados, equipamentos e armamentos podiam se deslocar entre Sorocaba e Campinas sem encontrar qualquer obstáculo. Mais de 200 praças e armamentos passaram por ali sem restrições logísticas, o que mais tarde contribuiu para a derrota no Combate da Venda Grande, liderado pelo exército do Barão de Monte Alegre.
Amador Bueno Machado Florence, então com 11 anos, acompanhou seu tio Matheus Álvares Bueno e relatou em um artigo na Gazeta de Campinas a jornada da família de Hercule Florence em direção a Sorocaba.
A comitiva da família Machado Florence encontrou-se com Antônio Manuel Teixeira, um dos líderes dos liberais, no caminho de Itu, especificamente no Salto de Itu. Uma milícia de paulistas revolucionários aguardava outros soldados de Sorocaba e Itu, que se dirigiam a Campinas e parariam aqui, no Engenho da Lagoa, nesta parte da antiga fazenda da Lagoa, chamada de “Venda Grande”.
Os rebeldes também aguardavam as tropas de Limeira, comandadas por Reginaldo de Moraes Salles, pai do doutor Antônio Carlos de Moraes Salles. Antônio Manuel Teixeira, Francisco Teixeira Nogueira, Luciano Teixeira Nogueira e Ângelo Custódio Teixeira Nogueira eram líderes naturais dos liberais em Campinas, todos descendentes do capitão Joaquim José Teixeira Nogueira, sendo sobrinho e irmãos do major Luciano Teixeira Nogueira, respectivamente.
Um fato curioso ocorreu na fazenda do major Luciano Teixeira Nogueira durante a Revolta. O único prisioneiro de guerra feito pelos rebeldes foi José Manoel de Castro, um jovem oficial que servia em Campinas e se tornaria um fazendeiro influente na região. Ele foi detido quando, inadvertidamente, visitou a fazenda do major. Levado para Sorocaba junto com a comitiva que conduzia o Padre Feijó, lá assumiu a função de impressor e tipógrafo do jornal “O Paulista”, editado por Hercule Florence. Desenvolveu uma grande amizade com Florence e ambos fugiram juntos durante a repressão final da Revolta, montados em um único animal, em direção a Porto Feliz. Ao retornarem para Campinas, foram anistiados.
Não há números exatos sobre os rebeldes, mas considerando as informações anteriores, estima-se que entre 300 e 350 soldados estavam acampados aqui, no Engenho da Lagoa ou Venda Grande.
Os corajosos paulistas acampados na Venda Grande não estavam totalmente preparados para enfrentar as forças de Caxias, mas possuíam uma força moral, idealista e libertária. Seu empenho e disposição poderiam ceifar vidas, mas também salvar muitos diante da força organizada e disciplinada dos soldados bem armados e eficientes na arte da guerra.
Doutor Ricardo, 38 anos após o evento, em sua obra “Reminiscências de Campinas”, faz uma exposição sucinta do combate, mas descreve com precisão o embate nos seguintes termos:
“Resolvendo os chefes do movimento em Campinas medir suas forças com as do governo, foram reunindo seu povo no sítio conhecido pelo nome de Venda Grande, na estrada de Limeira distante cerca de uma e meia légua de Campinas. Ali as tropas do governo prontamente assaltaram sem deixar-lhes o tempo preciso de se organizar, de modo que a vitória foi fácil e inglória…”
Nas edições de junho e julho de 1882 da Gazeta de Campinas, Amador Bueno Machado Florence, filho de Hercule Florence, descreve o combate com mais detalhes. Amador, então com 11 anos de idade, rememora diálogos de seu tio com os combatentes da Venda Grande, nos seguintes termos:
“Fomos surpreendidos sem que tivessem chegado Reginaldo com os de Limeira. Esperávamos descansados e alguns mesmo com profundo sono no velho sobrado e dependências, quando assomou no alto do pasto, em nossa frente a cavalaria inimiga, contra a qual logo que pudemos apontar as duas pecinhas de difícil manobra nos carretões de arrastar madeira…”
Reginaldo de Moraes Salles, pai do doutor Antônio Carlos de Moraes Salles, deveria chegar de Limeira com mais homens para se juntar ao grupo de combatentes, que não esperava o ataque do Coronel Amorim Bezerra.
A estratégia do comandante da força imperial, Coronel Amorim Bezerra, liderada pelo Capitão Pedro Alves de Siqueira, consistia em atrair a atenção dos acampados com uma parcela da cavalaria no alto da colina, enquanto outra parcela de soldados atacava simultaneamente pelo flanco e pela retaguarda, conforme registrado pelo filho de Hercule Florence.
“Mal sabíamos, porém, que só chamavam para aquele ponto nossa atenção, fingindo cair; o que queriam, era atacar pelo flanco, todo em capoeira, até nossa retaguarda, os periquitos de Bezerra. E, de fato, quando demos por eles, foi já pelo relampear das baionetas, e pelas cerradas descargas sobre o grupo dos nossos poucos, que puderam tomar as armas em desordem e rodear bravamente as duas pecinhas”.
A Guarda Municipal Permanente era conhecida como a força dos “periquitos” devido aos uniformes verdes enquanto os outros combatentes careciam de roupas de armas e até de calçados.
Cercados os rebeldes, houve debandada geral e ficaram cerca de 60 homens ao redor das peças de artilharia.
Amador Bueno Machado Florence relata um diálogo com Antônio Manuel Teixeira, descrevendo a fuga dos rebeldes. Eles conseguiram escapar trocando tiros com espingardas de caça, liberando um a um para dentro do mato, até conseguirem fugir. Os soldados imperiais, conhecidos como “periquitos”, usando fuzis com alcance de cerca de 260 metros, deixaram os mortos no campo de batalha.
No embate, as forças imperiais perderam apenas dois homens, um guarda nacional e um membro da milícia do Padre Ramalho, ambos feridos mortalmente. Do lado dos paulistas liberais, entre 19 ou 20 combatentes perderam a vida.
Doutor Ricardo Gumbleton Daunt narra detalhadamente a morte do Capitão Boa Ventura Soares do Amaral, militar e amigo de Tobias de Aguiar. Boa Ventura veio para Campinas com armamentos, com ordens para retornar à Coluna Libertadora em Sorocaba, mas preferiu ficar e lutar ao lado dos liberais. Ele recusou a fuga e morreu no combate, como descrito por Daunt:
“Comandava a mesquinha artilharia paulista no infeliz combate da Venda Grande um paulista da mais apurada nobreza— Amaral e Camargo — por nome Boaventura Soares do Amaral. Era capitão de 2ª linha e durante anos militou nas campanhas do sul contra castelhanos.
Melhor do que ele ninguém conhecia a impossibilidade de lutar com vantagem com o governo, porém preso por sentimentos exagerados de gratidão ao brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar, ele acudiu ao chamado deste e aceitou o comando das peças, e marchou como o paciente ao cadafalso.
Houve a debandada dos provincianos, mas o capitão Boaventura não cuidava em si, recusou abandonar seu posto, e quando se viu cercado pelo inimigo que quis constituir-se prisioneiro de um oficial cujo camarada d’armas fora no Sul, a fim de assim obter a garantia da sua vida. Ele ofereceu sua espada ao referido oficial, e o infame, rindo-se virou as costas deixando o paulista a mercê da tropa.
Prenderam-no, e no ato, propositalmente feriram-no, levando-o para a casa da antiga fazenda que era sobrado. Ali o atiraram em uma cama e na mesma noite os soldados o assassinaram a sangue frio.”
Nos documentos enviados ao Barão de Caxias pelo tenente-coronel José Vicente de Amorim Bezerra, comandante em chefe do destacamento imperial, destacam-se os atos de bravura dos oficiais das diversas unidades de soldados, mencionando também o Capitão Pedro Alves de Siqueira, comandante da cavalaria, ferido levemente, assim narrados:
“Entre os oficiais e praças que mais se distinguiram, cumpre dever e justiça, recomendar a Vossa Excelência, o alferes do batalhão 12°, Carlos Cirilo de Castro, o 2º tenente João Jacques Godfroy, cadete de artilharia, alferes de comissão; Bernardo Joaquim Pereira, cadete fazendo serviço do oficial João José Pereira; sargento Joaquim Theodoro, ambos do batalhão 12°, e o sargento de guardas nacionais Antônio do Rego Dante”
Como o combate ocorreu no final da tarde e início da noite, o campo de batalha não pôde ser completamente explorado. Os relatos na imprensa mencionaram 17 mortos e 15 feridos. Esses números levaram à interpretação da morte de “Antônio Joaquim Vianna”, considerado o comandante e chefe dos paulistas de Campinas, que foi ferido e levado para o prédio da cadeia velha em Campinas.
Na cadeia velha, já estava detido o médico cirurgião Antônio Luiz Patrício da Silva Manso, considerado o principal autor da Rebelião de Cuiabá e acusado de incitar agitações em Limeira. Ele havia sido preso na noite de 5 de junho de 1842.
Patrício Manso não apenas tratou dos ferimentos de Antônio Joaquim Vianna, como também foi testemunha de seu testamento, conforme narrado pelo historiador Benedito Otavio em 1907:
“Ainda assim, Patrício Manso, não deixou de tomar parte na rebelião de 1842, que levantou São Paulo e Minas. Vencidos os liberais, foi preso, de nada lhe valendo o título de médico do paço, que exibiu. Aí, na cadeia velha, encontrou-se com Antônio Joaquim Vianna, seu amigo, aprisionado e ferido em Venda Grande. Patrício Manso assignou o testamento de Vianna, moribundo, e lhe assistiu a morte, guardando como relíquias o lençol e o colchão ensanguentados do valente rebelde…”.
O número de mortos no Combate de Venda Grande, nunca foi realmente desvendado, o relatório dos soldados do Barão de Caxias ficou com a contagem de 17 mortos, historiadores e cronistas falam em 19 ou 20 combatentes mortos, Amador Bueno Machado Florence, em sua crônica, quarenta anos depois do evento relaciona alguns mortos:
Boaventura do Amaral Soares de Camargo, Antônio Joaquim Vianna, “Negueime”, apelido de um primo de Joaquim Bonifácio do Amaral, o Visconde de Indaiatuba, João Evangelista Monteiro, um primo de Juca Salles, um indivíduo conhecido como João Francisco, possivelmente João Sapateiro, identificado por Amador Bueno Machado Florence como um alfaiate na época, um camarada de Bittencourt, provavelmente um dos colonos ou funcionários de Antônio Pio Correia Bittencourt que também participou do combate.
Da força Imperial somente um soldado do Padre Ramalho, pereceu. Quanto aos feridos, Amador Bueno Machado Florence, relaciona:
Antônio Alfaiate, baleado de revés na cabeça. Joaquim Cardoso, irmão de Manoel Cardoso, tio do maestro Santana Gomes e de Antônio Carlos Gomes, baleado no peito, que se recuperou graças ao acolhimento e ajuda dos sitiantes da redondeza e José Antônio da Silva, ferido no braço.
Aqui, neste solo que pisamos agora, ocorreu a batalha que hoje relembramos e que já foi cenário de muitas homenagens aos nossos heróis. Um destaque especial foi uma homenagem realizada por volta de 1860 ou 1862, liderada pelo Visconde de Indaiatuba, Joaquim Bonifácio do Amaral, líder do Partido Liberal e imediato no comando deste combate. Durante esse ato de piedade, o Visconde percorreu os caminhos onde seus camaradas tombaram, recolhendo os ossos dos valentes e transferindo-os para uma igreja em Campinas, cujo nome e local permanecem desconhecidos até os dias de hoje. Essa narrativa foi registrada por Amador Bueno Florence, e apesar de nossas pesquisas, o local exato da igreja e o destino dos ossos exumados ainda são desconhecidos.
Em nossa simples homenagem de hoje, peço aos senhores um minuto de silêncio, para homenagearmos os nossos combatentes do passado.
Assim como nos esforçamos para não deixar morrer este legado, assim o fizeram os gregos quinhentos anos antes de cristo, cumprindo o ritual de homenagem aos seus soldados retiro algumas palavras do discurso de Péricles:
“Contemplo diariamente a grandeza de minha cidade, por ela apaixonado, inspirado, reflito, que toda esta sociedade foi erguida pela conquista de homens de coragem, cônscios de seu dever, impelidos na hora do combate por um sentimento de honra…”
Este é o nosso sentimento pela história da nossa cidade e a nossa homenagem aos combatentes da Venda Grande.
Muito Obrigado.
Genaro Campoy Scriptore
Administrador de Empresa
Pesquisador e Escritor
Membro do Conselho Fiscal do Centro de Ciências, Letras e Artes