Discurso de Genaro Campoy Scriptore,
orador oficial do Centro de Ciências, Letras e Artes,
proferido na Praça Antônio Pompeo
durante a cerimônia em homenagem aos
128 anos do falecimento de Antônio Carlos Gomes.
Discurso proferido em 16/09/2024
Boa tarde a todos os presentes.
Reitero meus sinceros agradecimentos a Comissão da Semana Carlos Gomes, a Prefeitura de Campinas ao Centro de Ciências, Letras e Artes e em especial a todos presentes a este evento de hoje enriquecendo ainda mais esta celebração.
Uma grande questão me instiga a pensar: O que celebramos hoje? A data de morte de Antonio Carlos Gomes?
Não! Celebramos a vida de um brasileiro, um paulista, um campineiro ícone da música Universal. Um brasileiro ( que soube honrar a sua pátria nas mais remotas paragens mundiais), um paulista ( que tem seu nome gravado em quase todas as cidades do Estado) e um campineiro (que honrou o nome de sua cidade e deu projeção aos seus concidadãos).
Antonio Carlos Gomes nasceu em 11 de julho de 1836, e foi batizado em 19 de julho de 1836, filho de Manoel José Gomes, conhecido como “Maneco Músico” e de Fabiana Maria Cardoso, conhecida como “Nhá Biana”. Da união de Maneco e Nhá Biana são gerados dois filhos: José Pedro Sant’Anna Gomes e Antonio Carlos Gomes. Uma grande tragédia marcaria a infância de Sant’Anna Gomes com 10 anos de idade e a de Carlos Gomes com 8 anos: na noite do dia 28 de julho de 1844 “Nhá Biana” foi brutalmente assassinada com um tiro e várias perfurações de uma arma branca semelhante a uma baioneta ou uma faca de caça.
Francisco Quirino dos Santos e Benedicto Octávio foram os dois campineiros ilustres que me guiaram na busca de compreender a vida e a obra de Carlos Gomes.
Benedicto Octávio relata em seu livro “Campinas Antiga” que, no ano de 1846, durante as festividades em homenagem à visita do imperador Dom Pedro II a Campinas, no palanque onde a música era destaque, dois jovens músicos chamavam atenção: os filhos do maestro Manoel José Gomes. As duas crianças morenas, de doze e dez anos, destacavam-se entre os músicos, uma tocando clarineta e a outra tangendo os ferrinhos (triângulo).
Já Quirino dos Santos, que conheceu Carlos Gomes na infância, recorda-se dele tocando triângulo ou flautim na banda que desfilava pelas ruas da cidade. Seu apelido era “Tunico”, uma alcunha que simbolizava tanto seu pequeno porte físico quanto sua grande atividade intelectual. Tunico foi um apelido que Carlos Gomes levou com orgulho por toda a vida.
A juventude de Carlos Gomes foi marcada por grandes aspirações e desejos, mas limitada pela falta de recursos materiais. Ele participava da banda musical, ajudava seu pai, que era mestre de capela, e lecionava música nas fazendas locais. Desde cedo, ele mergulhava no mundo das óperas e dos grandes compositores, compondo quadrilhas, tangos, serenatas e modinhas. A música era sua vida, e seus primeiros trabalhos já demonstravam originalidade e beleza que contrastavam com sua pouca idade e os modestos conhecimentos formais que possuía.
Nos últimos anos da década de 1850, Campinas celebrava as Festas da Semana Santa com grande esplendor. Muitos amigos dos irmãos Gomes estudavam na Academia de Direito de São Paulo desde 1854 e 1855, entre eles Campos Salles, os irmãos Francisco e João Quirino dos Santos, os irmãos Américo e Bernardino de Campos, Rangel Pestana e os irmãos Jorge Miranda e Francisco Glicério — conhecidos como os “moços de Campinas”. Dentre esses estudantes, João Ataliba Nogueira, que mais tarde se tornaria o Barão de Ataliba Nogueira, formou-se em novembro de 1858.
Durante as Festas da Semana Santa, que iam de domingo a domingo, os estudantes costumavam retornar a suas cidades para rever familiares e amigos. Em uma dessas ocasiões, João Ataliba Nogueira convidou colegas, como Antonio Dias Novaes, João Gabriel de Moraes Navarro e Francisco Azarias de Queiroz Botelho, para se hospedarem em sua casa durante as festividades.
Francisco Azarias, um jovem mineiro alto, louro e de olhos azuis, admirador de serenatas, logo reconheceu o talento musical de Carlos Gomes e passou a insistir para que os irmãos Gomes visitassem São Paulo e mostrassem seu talento. Assim, Antonio Carlos Gomes, seu irmão Sant’Ana Gomes e Henrique Luiz Levi chegaram à capital paulista em 15 de julho de 1859, hospedando-se na república de Francisco Azarias. Este, como um verdadeiro empresário, empenhou-se em promover apresentações para os músicos, agendando concertos para os dias 21 e 27 de julho daquele ano.
Durante sua estadia, os três músicos foram convidados a se apresentar em diversas reuniões estudantis, especialmente em repúblicas. A única república com um piano era a do sergipano Francisco Leite Bittencourt Sampaio, onde Antonio Carlos Gomes compôs a música para duas peças importantes: a famosa canção “Quem Sabe” e o Hino Acadêmico da Faculdade de Direito, ambas com letra de Bittencourt Sampaio.
Após diversas apresentações de sucesso em São Paulo, incluindo o sucesso retumbante do Hino Acadêmico, Carlos Gomes seguiu para o Rio de Janeiro para continuar sua formação musical. Lá, ingressou no Conservatório de Música Imperial, onde foi orientado pelo renomado maestro Gioacchino Giannini. Em março de 1860, Carlos Gomes compôs sua primeira cantata, intitulada Salve o dia da Ventura, em homenagem à imperatriz Teresa Cristina.
Apesar de estar doente e febril no dia da apresentação, Carlos Gomes não deixou que isso o impedisse de conduzir sua composição, evidenciando sua dedicação e compromisso com a música. Após a morte de Giannini, ele continuou seus estudos com Francisco Manuel da Silva, o compositor do Hino Nacional Brasileiro. Foi sob a orientação desse mestre que Gomes compôs sua segunda cantata, A última hora do Calvário.
Em 1861, Carlos Gomes estreou sua primeira ópera, A Noite do Castelo, uma obra dedicada ao imperador Dom Pedro II. Dois anos depois, em 1863, ele apresentou a ópera Joana de Flandres, cuja repercussão foi tão positiva que lhe abriu as portas para realizar o sonho de estudar na Itália, o berço da ópera. Essa mudança para a Itália foi fundamental para o desenvolvimento de sua carreira internacional.
Poderíamos passar horas falando sobre o sucesso de Carlos Gomes na Itália, com obras como Se Sa Mingá, Nella Luna, O Guarani, I Moschettieri, Salvador Rosa, Saluto del Brasile (um hino em homenagem aos Estados Unidos), Maria Tudor, Lo Schiavo e Condor. Porém, para facilitar e enriquecer ainda mais essa celebração, preparamos um folheto contendo uma linha do tempo da vida e obras de Antônio Carlos Gomes. Nele, nossa audiência poderá pesquisar e relembrar sua trajetória e contribuições à música universal.
Impossível não abordarmos a grandiosa ópera Il Guarany, com libreto de Antonio Scalvini, baseada na obra de José de Alencar, que estreou no renomado Teatro alla Scala de Milão, em 19 de março de 1870. Na plateia, três brasileiros: seu irmão José Pedro de Sant’Anna Gomes, Antonio Carlos do Carmo e o cônsul do Brasil na Itália.
Após o sucesso em Milão, Carlos Gomes retorna a Campinas em agosto, sendo recebido de forma espetacular nos dias 18, 19 e 20. No dia 18, um número incontável de pessoas deslocou-se até Santos para recebê-lo, enquanto outros aguardavam em Jundiaí, onde a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí já operava. O trajeto de Jundiaí a Campinas foi feito no lombo de animais, e à medida que a caravana avançava pelas cercanias, mais pessoas se juntavam, formando uma grande comitiva.
Ao chegar às portas de Campinas, o cortejo foi recebido com fogos de artifício, girândolas e bandeirolas que decoravam todo o caminho. A caravana desceu a Rua Direita em direção ao palacete dos senhores Américo e Bernardino de Campos, no Largo da Matriz Nova. Para homenagear o maestro, a Orquestra Campineira (Philorphenica) contratou o ourives Carlos Deviene para criar uma coroa de ouro, um presente de grande valor simbólico.
No dia 19, às 15:00, uma comissão foi buscar o maestro para uma solenidade. Quando ele se aproximou da sala onde ocorreria o evento, a multidão, em respeito, abriu-se em duas filas, com as orlas guarnecidas por senhoras e meninas. Um silêncio religioso tomou conta do ambiente enquanto Carlos Gomes caminhava até o centro. Foi então que o ourives Carlos Deviene, responsável pela confecção da preciosa coroa, entregou-a à comissão, encarregada de oferecê-la ao maestro.
A coroa, formada por dois ramos de louro em tamanho natural, era um objeto riquíssimo, representando o reconhecimento de seu talento. A comissão, liderada pelo notável músico e maestro, Francisco Azarias, que fez um discurso emocionado antes de chamar Joaquina Gomes, irmã do maestro, para coroá-lo. A cena que se seguiu foi de pura emoção e beleza. Enquanto a orquestra tocava notas festivas, a atmosfera foi tomada por uma mudez reverente, como se todos estivessem em um estado de encantamento.
Parecia que, naquele momento, um anjo das harmonias pairava sobre a cabeça majestosa de Carlos Gomes, como se o próprio talento divino proclamasse: “Deus me deu, ai de quem tocar nele.”
Carlos Gomes, depois do sucesso de “Il Guarany”, passa a integrar o rol das celebridades musicais na Europa e no Brasil.
No ano de 1895, em viagem para Lisboa na busca de tratamento médico, dirigiu-se ao Real Teatro de São Carlos para assistir a uma apresentação da ópera Manon, de Jules Massenet. Durante um dos intervalos, a orquestra, sob a regência do maestro catalão Joan Goula I Soley, executou a Protofonia de Il Guarany. A performance foi aplaudida entusiasticamente, destacando-se o maestro, a orquestra e, especialmente, Carlos Gomes. Dom Carlos I, o rei de Portugal, que assistia à apresentação, chamou Carlos Gomes ao seu camarote e o agraciou com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, uma das mais importantes comendas do reino português, concedida a personagens ilustres em reconhecimento ao mérito científico, literário e artístico.
Entretanto, já nesse período, Carlos Gomes sofria com um epitelioma na língua, diagnosticado como câncer, decorrente de anos de tabagismo. Fragilizado, aceitou o convite do governador do Pará, Lauro Sodré, para dirigir o Conservatório de Belém e mudar-se para lá. Durante meses, os paraenses aguardaram ansiosamente sua chegada, que só ocorreu em 14 de maio de 1896. No entanto, devido à sua frágil saúde, o maestro não conseguiu assumir suas funções no conservatório.
Carlos Gomes passou seus últimos quatro meses em Belém, sendo acolhido com carinho pelo povo paraense e pelo governador. No dia 17 de setembro de 1896, o jornal Folha do Norte noticiou seu falecimento, ocorrido na noite do dia 16, às 22h30.
O translado do corpo do maestro foi longo e só chegou a Campinas, sua cidade natal, em 25 de outubro de 1896. Carlos Gomes foi sepultado no Cemitério do Fundão, atualmente conhecido como Cemitério da Saudade, na cripta da família Ferreira Penteado.
Em 18 de setembro de 1903, Santos Dumont, a convite de César Bierrenbach, um dos fundadores do Centro de Ciências, Letras e Artes, teve a honra de colocar a pedra fundamental do monumento-túmulo de Carlos Gomes.
Em 29 de junho de 1904, após um ato religioso ministrado pelo Padre Ribas D’Avila, foi feita a transferência do corpo do maestro do Cemitério do Fundão para o a praça José Bonifácio, hoje Antonio Pompeo, local que compartilhamos neste exato momento. O túmulo do Tonico de Campinas, sem a escultura de Bernardelli, que hoje podemos apreciar, recebeu seu corpo, uma ata assinada por todos as autoridades presentes e um discurso emocionante proferido pelo tribuno João César Bierrenbach.
No dia 2 de julho de 1905, em um domingo marcado pela chuva, ocorreu a inauguração do monumento-túmulo de Carlos Gomes. O evento contou com o descerramento das esculturas criadas por Rodolfo Bernardelli, com a presença do presidente do Estado, acompanhado de diversas autoridades. Os discursos emocionantes proferidos por César Bierrenbach e Salvador de Mendonça marcaram a ocasião, exaltando o legado do grande maestro.
À tarde, as autoridades presentes se reuniram no prédio do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA), que na época se localizava na Rua Barão de Jaguara. De lá, seguiram em uma caminhada pela Rua da Cadeia até a casa onde nasceu Carlos Gomes, situada na Rua Regente Feijó, número 1205. Nessa casa, uma placa de mármore foi colocada, registrando a data de nascimento do compositor e destacando sua residência em Campinas, cidade que tanto o enalteceu.
Essa cerimônia não só celebrou o talento imortal de Carlos Gomes, mas também marcou sua presença eterna na memória da cidade que o viu nascer e que sempre o reverenciou como um de seus filhos mais ilustres.
Portanto, peço aos senhores um minuto de silêncio para reverenciar a memória de Antonio Carlos Gomes, e encerrarmos nossa homenagem com a penúltima estrofe do poema “Orfeu Triunfante” declamado por Salvador de Mendonça durante a inauguração deste monumento túmulo:
Recebe, terra-mãe, de novo nas entranhas
De lágrimas ungido e maternais carinhos
O corpo de teu filho, o bardo das montanhas
Que traz ainda na fronte a marca dos espinhos
Aqui, de novo, o tens, mãe desvelada e bela:
Tornou enfim teu filho ao berço das colinas
E tornam a cantar as aves peregrinas.
Muito Obrigado
Campinas, 16 de setembro de 2024 17:00
Genaro Campoy Scriptore
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