Oração aos Moços

Oração aos Moços

Rui-Barbosa-228x300 Oração aos Moços

“Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado”

Ruy Barbosa de Oliveira

O maravilhoso da literatura é descobrir que valores pregados pelos autores que temos consideração e respeito, ainda que em séculos anteriores, são valores tão reais que podem trazer à consciência, atualmente, qualquer ser menos esclarecido que tenha o desejo de evolução.

Nesta noite, me vieram cair de novo em mãos o discurso do eminente Rui Barbosa aos bacharelandos da Faculdade de Direito de São Paulo no ano de 1920, um singelo livreto de 55 páginas, muito conhecido nos meios acadêmicos da área do Direito como a “Oração aos moços”.

Quantas vezes li e reli os valores exaltados na “Oração aos moços”, escrito com base nos mais conceituados filósofos da antiguidade, nos valores do Padre Manuel Bernardes e suas várias obras escritas no século XVII, nas Sagradas Escrituras e carregado de uma emoção clara daquele que soube escolher profissão com dignidade.

Esta noite, eu aprenderia um pouco mais com aquele que foi o “Águia de Haia”, o “Grande Ruy”, como meu avô materno com seu sotaque espanhol se referia ao emérito homem público Ruy Barbosa de Oliveira.

Segundo Francisco da Silveira Bueno, outro grande estudioso da arte da oratória, salientando as qualidades da redação do “Grande Ruy”, coloca toda sua interpretação na tese de que ele era um orador para ser lido e não para ser ouvido.

O “Grande Ruy” doente, sem poder comparecer à solenidade de formatura como o paraninfo escolhido de tão seleta turma, escreveu o discurso, cujas páginas foram recolhidas por alguns formandos na cidade de Petrópolis e lido pelo diretor da faculdade, Reynaldo Porchat, diante da impossibilidade de sua apresentação no evento.[1]

Detalhes à parte, sem muitas pretensões ao folhear a página 46[2],não consegui desviar minha atenção na profundidade com que o grande escritor utiliza dois textos maravilhosos para ensinar-me o valor daquele que julga e é julgado. O primeiro se reflete nas Escrituras: “Não cometam injustiça em um julgamento; não favoreçam o pobre, nem procurem agradar os poderosos, mas julguem o seu próximo com justiça.”[3] O segundo, o “Grande Ruy”, vai buscar na fonte da literatura luso-brasileira, nos sermões e práticas do Padre Manuel Bernardes:

“Se não tens animo para romper pela impiedade, não queiras ser juiz. Bem praticou esta virtude Canuto Rei dos Vândalos, que mandando justiçar uma quadrilha de salteadores, e pondo um deles embargos, de que era parente do Rei, respondeu: Pois se provar ser nosso parente, razão é que lhe façam a forca mais alta.

É não só nas obras de justiça, mas também de caridade devemos evitar exceção de pessoas.” [4]

Hoje ao constatar os favorecimentos judiciais recebidos pelos amigos do Rei, justificados pela ampla defesa e do contraditório, onde os embargos não produzem a forca alta e nem baixa e ficam todos à mercê do transito em julgado.

Ao ver os poderosos se locupletando com pedidos de proteção a família, aos amigos e a corte que esta acima da lei e da justiça, sinto que a justiça é só mais um meio de vida, para não dizer de negócios.

Ao ver a quadrilha de salteadores subjugar a sociedade entre zombaria, escárnio e menosprezo, tenho certeza de que os “moços” da oração do “Grande Ruy”, das duas uma, ou não escutaram bem suas palavras, ou pior, são totalmente ignorantes quanto ao seu significado e relevância.

“Como vedes, senhores, para me não chamarem a mim revolucionário, ando a catar minha literatura de hoje nos livros religiosos.

Outro ponto dos maiores na educação do magistrado: corar menos de ter errado que de se não emendar. Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se não corrija. E, se o próprio autor do erro o remediar, tanto melhor; porque tanto mais cresce, com a confissão, em crédito de justo, o magistrado, e tanto mais se soleniza a reparação dada ao ofendido.”[5]

E aprendi, nesta noite, pelas palavras de sua “Oração”, mesmo não sendo tão moço, que: “Não há justiça, onde não haja Deus”.[6]

Ainda sonho como o “Grande Ruy”, que ainda haveremos de ver um judiciário composto de bacharéis que, “não se colocarão baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Que servirão aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade Amarão a Pátria e amarão aos pobres enternecidamente, guardando a fé em Deus, na verdade e no bem.”[7]

[1] https://economia.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/reinaldo-polito/2019/02/26/rui-barbosa-era-ou-nao-bom-orador.htm consultado em 09 de julho de 2020, às 21:00 horas.

[2] Oliveira, Ruy Barbosa de – Discurso aos bacharelandos da Faculdade de Direito de São Paulo em M.CM.XX -Editora Mensário Acadêmico Dionysus, São Paulo, 1921, pág. 46

[3]BÍBLIA, A. T. Levítico 19 vers. 15, in Bíblia Sagrada – Nova Versão Internacional – Geográfica, São Paulo, 2000 pág. 89

[4] Bernardez, Padre Manoel – Sermões e Práticas, Primeira Parte, Dedicada a Soberana Rainha do Céu – Oficina Real Deslandesiana, Lisboa, 1711, pág. 263-264

[5] ibidem 2

[6] Ibidem 2, pág.47

[7] Ibidem 2, pag. 49

 

Sobre o autor

Genaro Campoy Scriptore administrator

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