Os Jantares de Madame Maintenon

Os Jantares de Madame Maintenon

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Édouard Manet-Um bar no Folies-Bèrger 1882

A pesquisa, muitas vezes, se assemelha a um vício: uma vez capturado pela atividade, torna-se difícil abandonar o assunto pesquisado. De forma quase obsessiva, ela apresenta um grau de abstração que nos leva por caminhos inesperados. Foi assim que, durante um estudo sobre “Gabinetes de Leitura”, me vi imerso na história da França, de Luís XIV, da Marquesa de Maintenon, da nobreza e dos jantares palacianos.

Em 13 de agosto de 1837, surgiu no Rio de Janeiro um jornal intitulado Gabinete de Leitura – Serões das Famílias Brasileiras. Seu objetivo era incentivar a leitura, o entretenimento e as diversões para as famílias brasileiras. Na introdução ao público, o jornal apresentou um conto sobre Maintenon, sem mencionar seu nome completo – Madame Françoise d’Aubigné, última e notável figura feminina na vida de Luís XIV. Essa comparação foi utilizada para ilustrar os propósitos do jornal em lançamento. O paralelo reside nas atitudes de Madame de Maintenon, que inicialmente serviu ao rei como governanta de seus filhos ilegítimos, mantendo-os longe dos olhares indiscretos da corte, e posteriormente, como concubina, estrategicamente seduzindo e casando-se com o rei em segredo.

A força desse editorial e da comparação reside nas palavras que traduzem o verdadeiro significado dos “Gabinetes de Leitura”. Por isso, julgamos interessante recontar essa história aos leitores.
O editorial do jornal convidava o público a frequentar suas páginas, assim como Madame de Maintenon atraía sua audiência. Sem fortuna ou posição social que a sustentasse na corte, Maintenon usava sua simpatia e, principalmente, suas conversas agradáveis e despretensiosas para reunir a alta sociedade francesa e aqueles que desejava cativar em jantares regados a alegria. Embora a quantidade e a qualidade da comida não fossem à altura das expectativas dos convidados, todos ficavam encantados com as histórias e anedotas de Madame Maintenon, contadas com perspicácia e sagacidade. Ao final, saíam de sua casa sem perceber a escassez dos pratos.

Em certa ocasião, o criado que servia à mesa, seja por simplicidade ou malícia, dirigiu-se a Maintenon em voz baixa, mas suficientemente alta para ser ouvido por todos, e disse:

“– Minha senhora, conte alguma história a estes senhores, pois o assado queimou e não poderá ser servido.”

Maintenon não se deixou abalar. Elaborou uma narrativa que, se não saciou a fome dos convidados, ao menos os divertiu, inserindo na história suas vulnerabilidades financeiras, a verdadeira razão pela qual não os podia presentear com um banquete mais farto. Esse episódio lhe conferiu a reputação de mulher mais espirituosa de seu tempo e a fez ser indicada para governanta dos filhos de Luís XIV. Desde então, os nobres e plebeus que a visitavam não diziam “vamos jantar na casa de Madame Maintenon”, mas sim “vamos conversar com Madame Maintenon”.

Assim como o editorial do jornal, que seguia o exemplo de Maintenon, convido os leitores a refletirem sobre os convites e os propósitos dos jantares e celebrações que, nos próximos meses, serão promovidos pelos futuros candidatos ao governo municipal. Esses eventos, voltados a influenciadores e à mídia, buscam conquistar apoio, serviços e, claro, votos. Uma notícia que surge de um jantar, tal como os de Maintenon, pode se revelar uma piada, um “lero-lero” ou mesmo mentiras, criadas com o objetivo de enganar.

Será que as “fake news” tiveram origem no século XVII? A resposta, meu amigo, talvez esteja sussurrando ao vento, como diria a canção. E não nos esqueçamos: com a ajuda de um bom maître, um bom atendente e um bom restaurante, podemos transformar qualquer cenário em um mero entretenimento sem consequências.

Para concluir, a bela frase do padre Diogo Antônio Feijó sobre Bernardo Pereira de Vasconcelos pode servir como alerta e critério para avaliar tais eventos: “…um livro para ser lido e depois lançado ao fogo”.

 

Texto inspirado e extraído do Livro Freguesia, Vila e Cidade de uma Campinas Velha 1774 – 1889, Capítulo 18, páginas 336 e 337. Autoria de Genaro Campoy Scriptore

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