Arquivo mensal 22/06/2024

O Piano de Carlos Gomes

Piano-de-Carlos-Gomes01_1-259x300 O Piano de Carlos Gomes Piano-de-Carlos-Gomes02_1 O Piano de Carlos Gomes
Fotos do Piano de Carlos exposto no Museu Carlos Gomes de Campinas
Feitas por Genaro C Scriptore em 21 de junho de 2024

O estado do Pará recebeu e acarinhou Antonio Carlos Gomes desde sua chegada no vapor Obidense em 14 de maio de 1896 até seu último suspiro em 16 de setembro do mesmo ano. Não obstante tanto carinho, os governantes paraenses, autoridades e o povo prestaram sinceras homenagens funerárias ao maestro Carlos Gomes, filho de Campinas.

Carlos Gomes trouxe para o Pará poucos bens, pois já havia perdido a maioria deles, incluindo sua coleção de objetos de arte, joias e dinheiro. Salvou-se apenas o piano que o acompanhou até o Pará.
Gomes foi guiado ao Pará pelas mãos do ilustre governador da época, doutor Lauro Sodré, que criou o Conservatório de Belém e confiou ao maestro o cargo de Diretor.

Em 14 de março de 1914, o jornal “Jornal Pequeno” de Recife republicou uma entrevista com o maestro Gama Malcher, concedida ao jornalista João Alfredo de Mendonça do jornal “Folha do Norte” do Pará, em 15 de fevereiro de 1914[1]. Na entrevista, o maestro paraense Gama Malcher, em conversa amistosa com João Alfredo de Mendonça, confirma:

“…posso afirmar sem receio de contestação, que o piano de Carlos Gomes foi adquirido pelo benemérito doutor Lauro Sodré pela importância de 5:000$000. …Lauro Sodré teve conhecimento das dificuldades financeiras do maestro, e com aquele seu espírito generoso e protetor, mandou dar-lhe o dinheiro, mas não querendo nem de leve ferir os sentimentos do genial brasileiro, insinuou que essa importância representava a venda do seu piano ao Estado. …o piano continuou em poder de Carlos Gomes até a sua morte, pois o governador nunca pensou em privar o maestro da companhia de seu piano.”

Na entrevista, Gama Malcher que exerceu o cargo presidente do Instituto Carlos Gomes, confessa que após a morte de Carlos Gomes foram retirados de sua casa e enviados para o Instituto dois objetos: o piano e um relógio de parede de forma octogonal que uma mão amiga se encarregou de parar as 7 horas e mais ou menos 10 minutos, hora da morte de Carlos Gomes. Segundo Gama Malcher, o piano teria sido um presente do imigrante alemão e fabricante de pianos no Canadá, Heitzmann & Son, admirador de Carlos Gomes. E completava que o instrumento nunca havia se separado do maestro, acompanhando-o em viagens para Itália e Brasil.

Em 17 de outubro de 1917, o mesmo jornal de Recife, “Jornal Pequeno”, reeditou uma crônica do maestro Ettore Basio, originalmente publicada na “Folha do Norte”[2] do Pará, informando que, ao percorrer o sótão do Teatro da Paz em companhia do artista Corbiniano Villaça, deparou-se com o piano de Carlos Gomes em total abandono. Segundo Ettore, o piano teria sido recebido como prêmio pela participação de Carlos Gomes na Exposição Internacional de Chicago em 1893.

Conforme atesta a Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes de 1927[3], um sócio correspondente do Centro de Ciências, o senhor Armando Nascimento, ao chegar em Belém, tomou conhecimento pela leitura dos jornais, provavelmente da “Folha do Norte”, de que no Teatro da Paz encontrava-se abandonado o piano de Carlos Gomes, que teria sido guardado durante muito tempo na Associação Comercial de Belém. Sem relações pessoais suficientes para ajudá-lo, o senhor Armando enviou uma carta ao então governador, doutor Enéas Martins, solicitando a guarda do piano para o Centro de Ciências, Letras e Artes, com a proposta de se encarregar de todas as despesas de embalagem e transporte do piano para Campinas. A resposta de sua carta não veio, e o governador foi deposto meses depois, assumindo o governo Lauro Sodré no ano de 1917, eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa do Pará.

Tomando ciência do estado do piano de Carlos Gomes, o governador Lauro Sodré, pela amizade que nutria pelo maestro e na tentativa de salvar o objeto histórico de valor sentimental inestimável, confiou-o à Associação de Imprensa do Pará, cujo presidente na ocasião era o jornalista, escritor e político doutor Manuel Lobato, fundador da Academia de Letras do Pará e do Instituto Histórico do Pará.

Passaram-se quatro anos, e o piano de Carlos Gomes continuava em uma caixa, suja e empoeirada, no prédio alugado pela Associação Vasco da Gama, pois a Associação de Imprensa do Pará, sem sede própria, abandonara vários móveis e caixas, entre eles o piano de Carlos Gomes. A Associação Vasco da Gama já reclamara várias vezes para que fossem retirados os móveis e caixas da Associação de Imprensa do Pará.

O senhor Armando então solicitou ao Centro de Ciências que fosse feito um ofício ao governador que assumira em 1925 o governo do Pará, o médico doutor Dionísio Ausier Bentes, com o propósito de conseguir o piano de Carlos Gomes para o Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA) na cidade de Campinas.

Por motivos não determinados, o ofício do Centro de Ciências se extraviou, fato conhecido somente depois da entidade receber em maio de 1926 um telegrama do senhor Armando pedindo providências da diretoria do Centro de Ciências. Sem se dar por vencido, Armando enviou uma carta para o secretário geral do Centro de Ciências, informando que, em conversa com o ex-deputado Manuel Lobato, que exercia o cargo de ajudante de ordens do governador eleito em 1º de fevereiro de 1925, doutor Dionísio Ausier Bentes, narrou um fato interessante que provavelmente seria um entrave para a vinda do piano para Campinas. Este fato já havia sido relatado pelos maestros Gama Malcher e Ettore Basio, em 1914 e 1917, respectivamente.

Assim descreve o insigne e brioso senhor Armando Nascimento as palavras trocadas entre ele e o doutor Manuel Lobato:

“Sua Excelência, o governador, poderia dar o piano para Campinas ou para o Museu, mas com a permissão do Congresso, pois que o piano é propriedade do Estado”.

A fala de Manuel Lobato deixou o Senhor Armando cismado a ponto de perguntar o motivo, a explicação para o piano ser propriedade do Estado. A resposta veio imediatamente:

“Sim, Carlos Gomes tinha caucionado o dito piano ao Estado, pela quantia de cinco contos de réis: que ele estando em certa ocasião em precárias condições e tendo recebido de seu filho ou filha, que adoecera, pedido de auxílio de certa importância e precisando socorrê-lo e tendo acanhamento de pedir à importância precisa a alguém, foi com o governador de então e ofereceu o piano, que se conservou em seu poder até sua morte, sendo somente retirado de sua casa logo após a sua morte”.

No mesmo mês de maio de 1926, duas revistas ilustradas do Rio de Janeiro publicaram matérias sobre o piano de Carlos Gomes, informando que seu destino seria o Museu Histórico Nacional. Uma delas foi a Revista Ilustrada Fon Fon, Ano XX, número 33, de 14 de agosto de 1926, e a outra foi a Revista Ilustrada Paratodos[4], de 8 de maio de 1926.

Quanto à revista ilustrada Fon Fon, o Secretário Geral não poupou palavras, elaborando um extenso texto que demonstrava que o articulista da revista e a Associação de Imprensa estavam trabalhando juntos com o objetivo único de enviar o piano para o Museu Histórico Nacional.

Fica claro pelas cartas trocadas entre o Senador Sodré e o Centro de Ciências que não havia nada de estranho, bairrista ou leviano entre o Senador e o Centro. Apenas um não sabia do interesse do outro, e Lauro Sodré sugeriu que o piano de Carlos Gomes fosse para o Museu Histórico Nacional, baseando-se na carta do Presidente da Associação de Imprensa do Pará, doutor Manuel Lobato.

O nobre Secretário Geral do Centro de Ciências, Celso Ferraz de Camargo, publicou na Revista do Centro de Ciências a carta de 1º de junho de 1926 do Presidente da Associação de Imprensa, doutor Manuel Lobato, ao Senador Sodré. Na carta ele informava que muitos sócios da Associação de Imprensa não concordavam com a saída do piano de Belém, mas que por concordância com o Governador e com Lauro Sodré, o piano seguiria para outra cidade. Aguardavam uma carta do diretor do Museu Histórico Nacional, insinuando que isso levaria tempo, o tempo suficiente para a reorganização da Associação de Imprensa.

Após receber o telegrama do Senhor Armando em maio de 1926, o Centro de Ciências emitiu um segundo ofício ao Governador do Pará, datado de 31 de maio de 1926, solicitando a guarda do piano de Carlos Gomes. No ofício o Centro nomeava e autorizava o Senhor Armando Nascimento, morador da Rua Senador Barata, 33-A, como procurador do presidente do Centro de Ciências, Carlos Francisco de Paula, para agir e tomar decisões referentes a este assunto junto ao governo do Pará.

Ao receber este segundo ofício do Centro de Ciências, o Governador doutor Dionísio Ausier Bentes mandou publicar em 17 de junho de 1926 nos jornais do Estado do Pará a seguinte mensagem governamental dirigida ao Congresso Paraense:

“Levo ao conhecimento do Congresso Legislativo do Estado, por intermédio do Senado, que o Centro de Ciências Letras e Artes da Cidade de Campinas, Estado de São Paulo, em longa e substanciosa exposição apela para que o Governo do Estado do Pará lhe conceda a guarda do piano que pertenceu ao grande e inolvidável maestro Antonio Carlos Gomes…
…Rogo, pois, ao Congresso Legislativo que se manifeste a respeito, votando, se achar acertado, uma autorização para ser dado àquele ou outro qualquer lugar condigno que mereça deter a preciosa relíquia.
Com os protestos de estima e apreço a Vossas Excelências
Saúde e Fraternidade.”

Em uma outra carta, agora de 20 de agosto de 1926, o Secretário Geral, senhor Celso Ferraz de Camargo, praticamente implora para que o Senador Sodré não apoie a ida do piano para o Rio de Janeiro.

“…rogo-lhe permissão para pedir, implorar mesmo, em nome do direito, da justiça, de Campinas, do Centro e no meu próprio nome: suspenda a vinda dessa relíquia para o Museu Histórico Nacional.”

O Senado Federal enviou para discussão o Projeto Nº 12 de 1926 em 15 de outubro de 1926, o qual não gerou muitas discussões, exceto por algumas observações de dois senadores ligados ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará e à Associação de Imprensa do Pará: os senhores Luiz Barreiros e Abelardo Candurú, respectivamente. Ambos expressaram a opinião de que o piano não deveria deixar o Pará. Candurú inclusive solicitou que seu voto contra o projeto fosse registrado em ata, argumentando que o piano deveria permanecer no Instituto Histórico e Geográfico.

O projeto foi aprovado na Sala das Comissões do Senado do Estado do Pará em primeira discussão.

Em 19 de outubro ao ser anunciada a segunda discussão do projeto o senador Abel Chermont apresenta uma  emenda ao projeto:

“Artigo Único: onde se lê: ao Centro de Ciências, Letras e Artes da cidade de Campinas, Estado de São Paulo, diga-se: Instituto Histórico e Geográfico do Pará”.

A emenda não foi aprovada e o projeto passou pela terceira discussão no Senado em 20 de outubro com aprovação da maioria.

Na Câmara o projeto recebe parecer favorável em segunda e terceira discussões e foi aprovado unanimemente, no dia 30 de outubro de 1926.

Em 12 de novembro de 1926, foi aprovada a Lei 2.556, autorizando o Governo do Estado do Pará a tomar providências, concedendo ao Centro de Ciências, Letras e Artes a guarda do piano que pertenceu a Carlos Gomes.

O Decreto Nº 4.308, datado de 3 de dezembro de 1926, foi expedido e assinado pelo Governador Dionísio Ausier Bentes e pelo Secretário Geral do Pará, Deodoro de Mendonça.

O Centro de Ciências recebeu um ofício informando a aprovação da Lei e do Decreto através de seu sócio Armando Nascimento, que, por procuração, assinou o recibo de entrega do piano de Carlos Gomes pela Associação de Imprensa do Pará em 8 de dezembro de 1926.

O doutor José Lobo, Secretário do Interior do Estado de São Paulo, recebeu um telegrama do Governador do Pará comunicando que atendera ao pedido do Centro de Ciências, concedendo-lhe a guarda do piano de Carlos Gomes.

Imediatamente, o doutor José Lobo avisou o presidente da Câmara, doutor Antônio Lobo, para dar início aos procedimentos necessários junto ao Centro de Ciências, que já estava em contato com o Presidente do Estado de São Paulo, doutor Carlos de Campos, solicitando ajuda para o traslado do piano para Campinas.[5]

Entre 12 e 17 de novembro de 1927, Armando Nascimento informou à presidência do Centro de Ciências e ao Secretário Geral que o piano foi embarcado no navio “Itaquatiá”.[6]

Em 11 de março de 1928, o piano já se encontrava no Centro de Ciências, Letras e Artes, onde foi utilizado durante uma sessão cívica em homenagem ao Estado do Pará e ao seu governador.[7]

Acertou o maestro Ettore Basio ao se despedir do piano de Carlos Gomes com uma cronica de lamento e de ternura  publicado no Jornal “Folha do Norte” de 8 de dezembro de 1926, que pedimos licença por publicar apenas uma parte:

“Adeus meu velho amigo!”

Ettore Basio.

“Um decreto Governamental te destina e entrega ao Centro de Ciências Letras e Artes, terra natal de seu senhor.

Que lá a tua ossada, seja venerada e respeitada como merece….

…Foste, depois, segregado a uma fria e úmida sepultura no Teatro da Paz, em um compartimento sem luz, sem ar, habitado por cruéis roedores e nocivos insetos.
De lá foste salvo pela misericórdia e pelo coração generoso de Lauro Sodré… que te entregou a Associação de Imprensa do Pará.

Embora sem cordas, sem marfins e sem vida sonora, mudo, como é mudo o oceano em dia de calmaria, eras ainda o precioso piano de Carlos Gomes!

…que o que resta de ti, inspirem os teus novos e ilustres possuidores, o carinho, o amor, o respeito, sentidamente intensos que o Brasil te deve, porque traduziste as fulgurações do maior Genio da América do Sul – “Carlos Gomes”

Adeus meu velho amigo! Adeus! Parte em Paz!”

[1] Jornal Pequeno – PE Edição 0059 de 14 de março de 1914 páginas 1 e 2
[2] Jornal Pequeno – PE Edição 0241 de 17 de outubro de 1917 página 2
[3] Revista do Centro de Ciências Letras e Artes, Ano XXI 54 e 55 de janeiro de 1927, páginas 25 a 41
[4] Revista Ilustrada Para Todos… Ano I de 8 de maio de 1926, impressa nas Oficinas de “O Malho”, Rio de Janeiro, página 38.
[5] Jornal Correio Paulistano Edição 22784 de 26 de dezembro de 1926 página 2
[6] Jornal Correio Paulistano Edição 23091 de 18 de novembro de 1927 página 8
[7] Jornal Correio Paulistano Edição 23187 de 28 de março de 1928 página 3

Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra, o Barão de Jaguara

Barao-de-Jaguara-244x300 Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra, o Barão de Jaguara

Qualquer transeunte que se aventurar a conhecer a cidade de Campinas, inevitavelmente passará pela antiga Rua de Cima, também conhecida como Rua Direita, que hoje leva o nome de Rua Barão de Jaguara. Esta rua recebeu a denominação de Rua de Cima por estar situada no ponto mais alto da topografia do bairro Nossa Senhora da Conceição do Mato Grosso. Tropeiros e viajantes que chegavam ao bairro encontravam, no ponto mais baixo, uma segunda trilha denominada Rua de Baixo, hoje conhecida como Rua Lusitana.

A Rua de Cima foi assim chamada até o ano de 1848, quando passou a se chamar Rua Direita. Na sessão da Câmara Municipal de Campinas, em 1º de julho de 1889, por proposição dos vereadores doutor Ricardo Gumbleton Daunt, Otto Langaard e José de França Camargo, seu nome foi alterado para Rua do Barão de Jaguara. O intuito era homenagear em vida Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra, que em 20 de junho de 1888 havia recebido o título de Barão de Jaguara.

Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra era filho de Delfino de Ulhôa Cintra e Dona Antonia Benedita Dias da Silva. Nasceu em 12 de junho de 1837 e foi batizado em 23 de junho de 1837 na paróquia de Santa Ifigênia, em São Paulo, capital. O registro consta no Livro 3, folhas 112, frente e verso.

Seu pai, Delfino de Ulhôa Cintra, foi um político influente, atuando como deputado por São Paulo em diversas legislaturas. Além disso, ocupou cargos importantes, como vice-presidente, secretário e membro de comissões da Fazenda e Estatísticas.

No ano de 1855, durante o segundo ano da faculdade de medicina no Rio de Janeiro, Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra já trabalhava na enfermaria da Rua da Imperatriz, 133. Em 1857, realizou os exames do quarto ano e foi aprovado, sendo nomeado Praticante de Cirurgia nas repartições do Exército Imperial.

Em 1858, por decreto imperial de 28 de agosto, foi nomeado Oficial de Secretaria da Tesouraria de Minas Gerais. Após ser aprovado no sexto ano da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 8 de novembro de 1859, começou a clinicar no Hospital da Misericórdia, no Rio de Janeiro. Em 1860, teve uma passagem pelo exército, obtendo a patente de tenente-coronel como membro do Corpo de Arsenal de Guerra do Exército.

Em 1860, Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra casou-se com Adelina Torquato Marques de Oliveira, que passou a assinar posteriormente ao casamento como Adelina Henriqueta Cintra, adicionando ao seu nome o segundo nome de sua mãe. Adelina faleceu em 15 de agosto de 1880, em Mogi Mirim, de onde era natural, deixando uma grande prole de filhos.

De 1859 a 1861, Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra foi registrado como membro efetivo do Instituto Médico Brasileiro, que tinha como presidente o eminente Adolpho de Bezerra de Menezes Cavalcanti, que posteriormente se tornaria uma figura destacada do Espiritismo no Brasil.

Em 1861, Antonio estabeleceu uma clínica médica na cidade de São Paulo, inicialmente na Rua do Sabão, 139, e depois na Rua das Violas, 23, onde permaneceu até 1863. Em 1864, o Correio Paulistano narra sua chegada em Mogi Mirim, vindo de uma fazenda a sete léguas (aproximadamente 42 a 43 quilômetros), onde sua família se encontrava, para atender pessoas doentes na cidade.

Em 1865, Antonio formou um partido em Mogi Mirim e continuou a atender às necessidades médicas da cidade.

Em 1868, Antonio participou do grupo que iniciou contribuições para o prolongamento da Companhia Paulista de Estradas de Ferro para o ramal de Araraquara, Limeira, Capivari e Mogi Mirim, o que me leva a acreditar que sua fazenda ficava nas imediações de Limeira ou Jaguariúna.

Neste mesmo ano, foi nomeado Inspetor de Instrução Pública em Mogi Mirim e assumiu o cargo de Comissário Vacinador na cidade, do qual pediu exoneração em 1869.

Nas eleições para deputado provincial de 1869, apresentou-se como candidato do Partido Conservador pelo 3º distrito. Em 31 de janeiro de 1870, foi diplomado como Deputado Provincial pelo 3º distrito, na 18ª Legislatura (1870–1871), seguindo os passos de seu pai na política.

De 1871 até 1874, empenhou-se na construção da Estrada de Ferro Mogiana, que partia de Campinas com linha final em Mogi Mirim, e tinha um ramal até Amparo. Seus companheiros nessa jornada foram os conservadores Antonio de Queiroz Telles, Joaquim Egydio de Souza Aranha, José Egydio de Souza Aranha, Joaquim Quirino dos Santos e o comendador Zeferino da Costa Guimarães.

Em 1871, juntamente com seu amigo Antonio Gomes Guacury, Antonio dirigiu o hospital “Casa de Saúde Santo Antonio” em Mogi Mirim, que oferecia tratamento de baixo custo para escravos, colonos das fazendas e o público em geral. Em 2 de maio de 1872, anunciou que o hospital estaria sob sua direção exclusiva a partir dessa data.

Em 15 de dezembro de 1874, seu irmão, Delfino Pinheiro de Ulhôa Cintra Júnior, casou-se em Campinas com Angélica Machado Florence, filha de Hercules Florence. As testemunhas do casamento foram Hercule Florence e Antonio. Seu irmão seguiu os passos do pai na política, atuando como deputado conservador em diversas legislaturas, assim como Antonio.

Em 8 de agosto de 1876, faleceu seu sogro, Luiz Torquato Marques de Oliveira, proprietário da Fazenda Sete Lagoas, nas imediações de Mogi Mirim, hoje uma fazenda da Suco Cítrico Cutrale.

No final de 1876, em 17 de dezembro, Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra foi homenageado por seus amigos, que ao meio-dia foram recebidos em sua residência com uma banda de música. Em seguida, partiram para a estação de Mogi Mirim, onde seu retrato foi colocado na sala ao lado dos quadros dos presidentes da Companhia e do retrato de João Teodoro.

Perdeu sua esposa, Dona Adelina Pinheiro de Ulhôa Cintra, em 15 de agosto de 1876.

Em 1881, juntamente com seus pares José Guedes de Souza e doutor João Gabriel de Moraes Navarro, Antonio realizou algumas articulações para sua volta à Assembleia Legislativa, da qual havia se afastado em 1879, sem obter sucesso.

Casou-se em segundas núpcias no final de 1881 com Dona Antonia da Rocha Cintra. Dos dois matrimônios, teve uma grande prole, e seus biógrafos contam que ele teve entre 18 e 20 filhos.

Em 26 de outubro de 1886, Dom Pedro II e sua comitiva chegaram a Mogi Mirim, onde foram recebidos e hospedados por José Guedes de Souza. Alguns membros da comitiva foram hospedados por Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra.

Em 7 de maio de 1887, por graça do Imperador Dom Pedro II, Antonio recebeu a comenda da Ordem da Rosa. Em 14 de julho de 1887, foi nomeado 5º vice-presidente da Província de São Paulo.

Em 20 de junho de 1888, recebeu o título de Barão de Jaguara, na mesma época em que João de Ataliba Nogueira recebeu o título de Barão de Ataliba Nogueira.

Em 6 de abril de 1889, foi nomeado e assumiu a administração de São Paulo como o 52º Presidente da Província em 11 de abril. Durante seu governo, dedicou toda a sua atenção à epidemia de febre amarela que assolava vários pontos da província.

Em 30 de abril de 1889, a Câmara Municipal de Campinas enviou uma representação à presidência da Província, solicitando a convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia Legislativa. Campinas necessitava urgentemente de um serviço completo de águas e esgotos para a municipalidade, e para isso requeria recursos orçamentários para canalizar águas e esgotos em curto espaço de tempo. A representação foi assinada pelos vereadores José Paulino Nogueira, Otto Langaard, Antonio Álvaro de Souza Camargo, Júlio de Mesquita, José de França Camargo e doutor Ricardo Gumbleton Daunt.

Diante da solicitação, o Presidente da Província convocou rapidamente a sessão extraordinária da Assembleia Legislativa, que expediu uma lei com o seguinte teor:

  • Autoriza empréstimos à Câmara Municipal de Campinas.
  • A Câmara Municipal de Campinas deveria pagar os empréstimos em parcelas semestrais com juros de 6% ao ano, em dois anos.
  • Autoriza a Câmara Municipal a criar um imposto predial para pagar os empréstimos.
  • Garante que a execução e fiscalização do serviço de águas e esgotos ficassem a cargo do Governo Provincial.

Imediatamente, o Barão de Jaguara decretou a resolução de um imposto de 9% sobre o valor dos imóveis, a partir de 1889-1890. De imediato, o Barão se prontificou e visitou pessoalmente as condições de Campinas e a miserável situação em que se encontrava. Entre as principais medidas, recomendou o uso de água fervida e a obtenção de água dos mananciais próximos da estação de Valinhos, incumbência que foi assumida por Walter John Hammond, engenheiro da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sem custos para os cofres públicos.

Ele propôs ao governo imperial um serviço de desinfecção e limpeza das fossas e poços e solicitou a presença de seis médicos e oito internos, além dos que já estavam trabalhando na cidade no atendimento aos pacientes. O governo geral enviou os doutores Luiz Manoel Pinto Netto e Francisco Correa Dutra, o farmacêutico Joaquim Torquato Soares da Câmara, os estudantes do curso médico Alberto de Castro Menezes e Victor Pacheco Leão, e os enfermeiros João Francisco de Mello e Silva, Gregório Joaquim Leite e José da Costa Cordeiro para auxiliar o Doutor José Maria Teixeira, nomeado durante a administração de seu sucessor.

Mesmo diante dessas medidas, a epidemia continuava a vitimar a população, conforme descrito pelo Barão:

“Em Campinas, porém não tendo cedido a epidemia, continuando antes a vitimar de um  modo pavoroso a população, então muito reduzida pela retirada em massa de grande número de pessoas para as localidades vizinhas, resolvi nomear uma Comissão Médica de Socorros, composta -do doutor Francisco Marques de Araújo Góes como presidente e dos doutores Claro Homem de Mello, Jeronymo de Conto, Aristides Franco Meireles, Irineu de Britto e Philippe Jardim, como auxiliares, afim de proceder a um serviço completo de desinfecção, tanto nas habitações como nos hospitais e bem assim para tomar quaisquer, providências que julgasse acertadas para combater o mórbo epidêmico.”

A Comissão Médica, presidida pelo Doutor Araújo Góes, visitou em apenas 7 dias um total de 1308 casas, mostrando uma média de 187 casas desinfetadas diariamente.

A passagem do Barão de Jaguara pela Presidência da Província foi breve, mas sua eficiência e comprometimento como político competente e patriota devotado conquistaram a confiança do público e dos moradores. A rua Direita já era chamada de rua do Barão, mesmo sem ter sido oficialmente homologada pela Câmara Municipal.

Quando deixou a presidência da Província em 10 de junho de 1889, recolheu-se ao lar, mas sem abandonar sua vida pública. Ele foi eleito vice-presidente da Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais, vice-presidente do Banco Provincial de São Paulo (também conhecido como Banco dos Lavradores), fundador da Companhia Oeste Agrícola, presidente do Congresso Médico-Cirúrgico de São Paulo e membro da mesa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

No ano de 1891, foi eleito senador pelo Partido Republicano Paulista, com 25.468 votos, nas eleições de 30 de abril, para representar São Paulo no Senado. Mantendo uma postura conservadora, defendia o discurso: “Podemos ser tão bons conservadores na República como fomos na Monarquia”.

Por conta de várias enfermidades, ausentou-se frequentemente do Senado e da capital, buscando refúgio em sua fazenda em Mogi Mirim ou em São Paulo. Faleceu em 14 de agosto de 1895, sendo seu féretro realizado no dia seguinte, 15 de agosto, às 10:00 da manhã.

Encerro a vida pública deste valoroso Paulista com uma tabela de suas conquistas políticas, de seu irmão e de seu pai.

Familia-Ulhoa-Cintra Antonio Pinheiro de Ulhôa Cintra, o Barão de Jaguara

O Combate da Venda Grande

 

1-19375-0000-0000-01-2 O Combate da Venda Grande

Óleo sobre Tela 65,6 x 100×74,6  Autoria atribuída a Henrique Manzo e disponível no Museu Paulista sobre o código 1-19375-0000-0000-01 Negativos em Papel e Cópias Contato de originais pertencentes aos descendentes de Hercules Florence e a Biblioteca Nacional

Discurso proferido no dia 7 de junho de 2024 em Homenagem ao Combate da Venda Grande

Digníssimo Presidente do Centro de Ciências Letras e Artes, Diretoria, Conselho, Autoridades Militares e Civis, convidados, senhoras e senhores presentes, neste momento em que rememoramos o passado de nossa cidade, revivendo o episódio cívico de amor à pátria e do valoroso espírito paulista e brasileiro, encarnado na memória histórica das instituições, como o Exército Brasileiro, a Polícia Militar, o Centro de Ciências Letras e Artes, e tantas outras, elevamos nossos pensamentos e revivemos nossos heróis, dignos guerreiros defensores de nossa liberdade e de valores cívicos inegociáveis na construção da sociedade.

Estas instituições e seus membros representam um legado de dedicação e sacrifício, firmando-se como pilares na defesa dos direitos e na promoção da paz e do progresso. Ao evocarmos estas memórias, reafirmamos nosso compromisso com os princípios de justiça, honra e patriotismo que sustentam nossa identidade coletiva. Que possamos, inspirados por esses exemplos de bravura e integridade, continuar a construir uma sociedade mais justa e solidária, honrando o legado de nossos antecessores e assegurando um futuro digno para as próximas gerações.

Sim, nossos heróis paulistas, de cerviz altiva, espíritos que dobram, mas não quebram, tomam forma em nossas mentes e corações, inspirando-nos em exemplos, modelando atitudes a serem seguidas. Assim como hoje, no século quinto antes de Cristo, Tucídides, ao narrar a História da Guerra do Peloponeso, guerra entre Esparta e Atenas, registra uma cerimônia cujo rito era homenagear os soldados gregos.

A  cerimônia grega apresentava o seguinte ritual:

• Os ossos e os restos do que sobravam dos soldados mortos eram expostos em um tablado, sob um toldo, por três dias;
• Os habitantes gregos traziam para os seus mortos as oferendas desejadas.
• No dia do funeral, ataúdes de cipreste eram trazidos em carretas e distribuídos um para cada tribo familiar que receberiam os ossos e restos dos soldados que fossem identificados.
• Um ataúde vazio recebia os ossos dos cadáveres que não foram identificados ou encontrados para o sepultamento.
• Por fim, todos os ataúdes eram depositados em um mausoléu oficial, escolhido para ficar no mais belo local do subúrbio da cidade.
• Os mortos em combate por seus méritos excepcionais, eram enterrados no próprio local da batalha.

Empresto as palavras de Tucídides, para honrar os mortos em batalha com uma oração fúnebre, que caberia perfeitamente em nossas homenagens de hoje:

“Falarei primeiro de nossos antepassados, pois é justo e ao mesmo tempo conveniente, numa ocasião como esta, dar-lhes este lugar de honra rememorando os seus feitos. Na verdade, perpetuando-se em nossa terra através de gerações sucessivas, eles, por seus méritos, transmitiram estes feitos de forma livre até hoje. Se eles são dignos de elogios, nossos pais o são ainda mais, pois aumentando a herança recebida, constituíram a história e a sociedade que agora possuímos, e, a duras penas nos deixaram este legado, a nós que estamos aqui e para as gerações futuras”

Assim como os antigos gregos homenageavam seus heróis com ritos solenes, nós também devemos perpetuar a memória dos nossos valorosos combatentes, revivendo suas histórias e mantendo viva a chama de seus ideais.

A Revolta Liberal de 1842 foi um movimento de resistência contra o centralismo do governo imperial, refletindo o espírito indomável e a busca pela autonomia que caracterizava os paulistas e outros brasileiros envolvidos na causa. No Combate da Venda Grande, as forças liberais enfrentaram bravamente as tropas do governo, demonstrando coragem e determinação em defesa dos ideais de liberdade e justiça.

O Combate da Venda Grande é precioso para nossa cidade e para nossa história. Devemos contá-lo, sempre que possível, para nossos filhos e netos. É uma das batalhas da Revolta Liberal de 1842, e deve ser lembrada como uma intentona capitaneada pelo Conselho da Sociedade dos Patriarcas Invisíveis, que tinha como líderes o padre Diogo Antônio Feijó, Raphael Tobias de Aguiar, Teófilo Ottoni, José Feliciano Pinto Coelho, o padre casado José Martiniano de Alencar, pai de José de Alencar, o padre José Bento Leite Ferreira de Mello, padre José Custódio Dias, Antônio Paulino Limpo de Abreu e outros que buscavam instaurar um governo mais representativo e menos autoritário. O confronto representou um dos muitos esforços para resistir às políticas centralizadoras e lutar por um Brasil mais justo e democrático.

A Sociedade dos Patriarcas Invisíveis, com sede no Rio de Janeiro era composta por figuras proeminentes e influentes, que acreditavam firmemente na necessidade de uma maior autonomia provincial e na manutenção dos valores constitucionais. Este grupo estava insatisfeito com as medidas centralizadoras da regência de Pedro Araújo Lima, o marquês de Olinda.

No sul do Brasil, desde 1835, a Revolta Farroupilha desafiava o governo imperial, que não conseguia encontrar medidas repressivas suficientes para abafar o conflito.

O regente equilibrava-se na condução do Império, defendendo o Imperador e a Constituição. Tanto o regente quanto a Sociedade dos Patriarcas Invisíveis tinham os mesmos propósitos, mas procediam de modos distintos.

Pressionados pelos liberais e pelo povo, o senado de maioria conservadora, na sessão da assembleia do dia 23 de julho de 1840, sob a presidência do “Marquês de Paranaguá” e com a presença de Sua Majestade o Imperador,  33 senadores e 84 deputados escutam a o juramento de Dom Pedro II que aos 14 anos é declarado apto a subir ao torno declaração da maioridade aos 14 anos

Um ano depois, em uma segunda-feira, no dia 18 de julho de 1841, Pedro II foi sagrado Imperador do Brasil e os festejos foram até o dia 24 de julho de 1841 quando foi realizado baile de gala no paço da Boa Vista com muito glamour.

Em primeiro de maio de 1842, devido às irregularidades nas eleições provinciais, Dom Pedro II dissolveu a Câmara dos Deputados. No dia 4 de maio, ele expediu o decreto número 157, que estabelecia as instruções e procedimentos para a realização de novas eleições provinciais. Diversos historiadores consideram essas ações do governo imperial como fatores fundamentais para desencadear a Revolução Liberal de 1842.

Os liberais, exasperados, decidiram destituir o Presidente da Província, o Barão de Monte Alegre, José da Costa Carvalho, e, simultaneamente, nomear Raphael Tobias de Aguiar como o novo presidente da Província.

Em 13 de maio de 1842, José da Costa Carvalho, Barão de Monte Alegre e presidente da Província de São Paulo, reportou ao ministro da guerra, José Clemente Pereira, os temores manifestados na capital e no interior de São Paulo.

“Os habitantes desta cidade, São Paulo Capital, têm sofrido graves temores pelo que observam na cabeça da oposição; eu, porém, não receio pela segurança da capital; existe no quartel uma guarnição de 300 homens, e, que passo a expedir ordens para que sejam elevados já, a 600; mas esta medida não pode ser realizada sem alguma demora. Para conter, pois, a cidade de Sorocaba e outros lugares que pretendam imitá-la, é indispensável que Vossa Excelência faça marchar para Santos, a maior força disponível de que seja possível lançar mão”.

Às dez horas do dia 17 de maio de 1842, na Câmara de Sorocaba, liberais aquartelados, povo, tropa da Guarda Nacional, políticos, autoridades civis e militares declararam Raphael Tobias de Aguiar como Presidente da Província de São Paulo. A justificativa foi que o imperador Dom Pedro II estava sob coação, dominado por uma associação facciosa.

No dia 18 de maio, às oito horas da manhã, quatro barcas a vapor – “A Especuladora”, “Paquete do Sul”, “Pernambucana” e “São Sebastião” – zarparam do porto do Rio de Janeiro com mais de 700 praças do 12º batalhão de caçadores, com destino a Santos.

No dia 19 de maio, mais 400 praças do batalhão dos fuzileiros seguiram pela estrada de Santa Cruz e embarcariam no vapor “Todos os Santos”, juntamente com o comandante em chefe do Exército, General Luiz Alves de Lima e Silva, na época, o barão de Caxias.

Caxias não precisou vir a Campinas; enviou o Coronel Amorim Bezerra com 3 cadetes do 12º batalhão para instruir os improvisados soldados conservadores. Uma força de soldados militarmente preparados, conhecidos como Guarda Municipal Permanente, chegou em Campinas vinda de São Paulo no dia 6 de junho de 1842, liderados pelo Capitão Pedro Alves de Siqueira.

Os soldados da guarda pessoal do Padre João José Vieira Ramalho, fundador da cidade de São João do Jaguary (hoje São João da Boa Vista), juntaram-se à Guarda Municipal Permanente. O padre Ramalho possuía uma milícia particular para defender seus interesses e sua fazenda, a Boa Vista.

A força local da cidade de Campinas, composta por soldados da Guarda Nacional, liderados pelo Coronel José Franco de Andrade e pelo Major Joaquim Quirino dos Santos, além de soldados sob o comando do Coronel Antônio de Queiróz Teles, Barão de Jundiaí, se uniriam aos combatentes do lado do Império.

No dia 7 de junho, o coronel Amorim Bezerra liderou 120 homens de cavalaria e infantaria em direção à fazenda da Lagoa, no Engenho da Lagoa ou Venda-Grande, exatamente aqui onde estamos. Este sítio, conhecido como “Venda Grande”, era uma parada comum para os viajantes que seguiam em direção à cidade de Limeira.

Olhando ao redor, deste ponto até onde nossa vista alcança, estavam reunidos não mais do que 300 ou 350 rebeldes, portando armas de caça, armamentos de pequeno calibre e até mesmo algumas de fabricação própria.

Os rebeldes eram fazendeiros, gente comum, alguns até participantes da Guarda Nacional, com laços familiares e de amizade com os liberais que elegeram Raphael Tobias de Aguiar, Presidente da Província de São Paulo, liderados e aconselhados pelo padre Diogo Antônio Feijó, o paulistano campineiro.

Em 31 de maio de 1842, uma carta de Tristão de Abreu Rangel, comandante em chefe das forças de Itu, para Raphael Tobias de Aguiar, traz a informação de que reforços liderados pelo capitão Boaventura do Amaral seguiriam de Itu para Campinas o mais breve possível; dizia a carta:

“O Boaventura os levará, porém, ele deve voltar, porque é o Único Oficial que temos de confiança”.

Em uma carta datada de 6 de junho de 1842, Tristão de Abreu Rangel confirma o envio de armamentos, escrevendo para Tobias de Aguiar:

“Para Campinas marcharam 130 praças de linha, 30 bestas carregadas com armamento, e uma peça…”.

Possivelmente tal peça, um canhão de artilharia, seria a mesma que ficou estacionada na Venda Grande e que nunca foi usada, por falta de preparo dos revoltosos, ou mesmo por estar inutilizada e que ainda assim foi enviada aos rebeldes de Campinas.

Depois do conflito, o sogro do primeiro casamento de Hercule Florence, o doutor Francisco Álvares Machado, comentava em sua família sobre a falta de estratégia, organização e preparo do exército de Raphael Tobias de Aguiar, comandado pelo Major Francisco Galvão de Barros França. Ele observou que o Major Galvão não percebeu que concentrar suas forças na defesa da estrada da Serra de Santos seria fundamental para proteger a capital e o interior da Província. Acreditava-se que essa estratégia tornaria quase impossível o avanço das tropas de Caxias. No entanto, para ter sucesso na defesa da estrada de Santos, construída com grande dificuldade por Aguiar, era necessário manter certo sigilo entre os revoltosos, o que não ocorreu.

O doutor Francisco Álvares Machado fechava o seu comentário dizendo:

“…, mas, meu amigo, em vez disto, onde foram proclamar a revolução, no entusiasmo generoso, porém irrefletido de um banquete.”

O despreparo dos revoltosos era tão evidente que soldados, equipamentos e armamentos podiam se deslocar entre Sorocaba e Campinas sem encontrar qualquer obstáculo. Mais de 200 praças e armamentos passaram por ali sem restrições logísticas, o que mais tarde contribuiu para a derrota no Combate da Venda Grande, liderado pelo exército do Barão de Monte Alegre.

Amador Bueno Machado Florence, então com 11 anos, acompanhou seu tio Matheus Álvares Bueno e relatou em um artigo na Gazeta de Campinas a jornada da família de Hercule Florence em direção a Sorocaba.

A comitiva da família Machado Florence encontrou-se com Antônio Manuel Teixeira, um dos líderes dos liberais, no caminho de Itu, especificamente no Salto de Itu. Uma milícia de paulistas revolucionários aguardava outros soldados de Sorocaba e Itu, que se dirigiam a Campinas e parariam aqui, no Engenho da Lagoa, nesta parte da antiga fazenda da Lagoa, chamada de “Venda Grande”.

Os rebeldes também aguardavam as tropas de Limeira, comandadas por Reginaldo de Moraes Salles, pai do doutor Antônio Carlos de Moraes Salles. Antônio Manuel Teixeira, Francisco Teixeira Nogueira, Luciano Teixeira Nogueira e Ângelo Custódio Teixeira Nogueira eram líderes naturais dos liberais em Campinas, todos descendentes do capitão Joaquim José Teixeira Nogueira, sendo sobrinho e irmãos do major Luciano Teixeira Nogueira, respectivamente.

Um fato curioso ocorreu na fazenda do major Luciano Teixeira Nogueira durante a Revolta. O único prisioneiro de guerra feito pelos rebeldes foi José Manoel de Castro, um jovem oficial que servia em Campinas e se tornaria um fazendeiro influente na região. Ele foi detido quando, inadvertidamente, visitou a fazenda do major. Levado para Sorocaba junto com a comitiva que conduzia o Padre Feijó, lá assumiu a função de impressor e tipógrafo do jornal “O Paulista”, editado por Hercule Florence. Desenvolveu uma grande amizade com Florence e ambos fugiram juntos durante a repressão final da Revolta, montados em um único animal, em direção a Porto Feliz. Ao retornarem para Campinas, foram anistiados.

Não há números exatos sobre os rebeldes, mas considerando as informações anteriores, estima-se que entre 300 e 350 soldados estavam acampados aqui, no Engenho da Lagoa ou Venda Grande.

Os corajosos paulistas acampados na Venda Grande não estavam totalmente preparados para enfrentar as forças de Caxias, mas possuíam uma força moral, idealista e libertária. Seu empenho e disposição poderiam ceifar vidas, mas também salvar muitos diante da força organizada e disciplinada dos soldados bem armados e eficientes na arte da guerra.

Doutor Ricardo, 38 anos após o evento, em sua obra “Reminiscências de Campinas”, faz uma exposição sucinta do combate, mas descreve com precisão o embate nos seguintes termos:

“Resolvendo os chefes do movimento em Campinas medir suas forças com as do governo, foram reunindo seu povo no sítio conhecido pelo nome de Venda Grande, na estrada de Limeira distante cerca de uma e meia légua de Campinas. Ali as tropas do governo prontamente assaltaram sem deixar-lhes o tempo preciso de se organizar, de modo que a vitória foi fácil e inglória…”

Nas edições de junho e julho de 1882 da Gazeta de Campinas, Amador Bueno Machado Florence, filho de Hercule Florence, descreve o combate com mais detalhes. Amador, então com 11 anos de idade, rememora diálogos de seu tio com os combatentes da Venda Grande, nos seguintes termos:

“Fomos surpreendidos sem que tivessem chegado Reginaldo com os de Limeira. Esperávamos descansados e alguns mesmo com profundo sono no velho sobrado e dependências, quando assomou no alto do pasto, em nossa frente a cavalaria inimiga, contra a qual logo que pudemos apontar as duas pecinhas de difícil manobra nos carretões de arrastar madeira…”

Reginaldo de Moraes Salles, pai do doutor Antônio Carlos de Moraes Salles, deveria chegar de Limeira com mais homens para se juntar ao grupo de combatentes, que não esperava o ataque do Coronel Amorim Bezerra.

A estratégia do comandante da força imperial, Coronel Amorim Bezerra, liderada pelo Capitão Pedro Alves de Siqueira, consistia em atrair a atenção dos acampados com uma parcela da cavalaria no alto da colina, enquanto outra parcela de soldados atacava simultaneamente pelo flanco e pela retaguarda, conforme registrado pelo filho de Hercule Florence.

“Mal sabíamos, porém, que só chamavam para aquele ponto nossa atenção, fingindo cair; o que queriam, era atacar pelo flanco, todo em capoeira, até nossa retaguarda, os periquitos de Bezerra. E, de fato, quando demos por eles, foi já pelo relampear das baionetas, e pelas cerradas descargas sobre o grupo dos nossos poucos, que puderam tomar as armas em desordem e rodear bravamente as duas pecinhas”.

A Guarda Municipal Permanente era conhecida como a força dos “periquitos” devido aos uniformes verdes enquanto os outros combatentes careciam de roupas de armas e até de calçados.

Cercados os rebeldes, houve debandada geral e ficaram cerca de 60 homens ao redor das peças de artilharia.

Amador Bueno Machado Florence relata um diálogo com Antônio Manuel Teixeira, descrevendo a fuga dos rebeldes. Eles conseguiram escapar trocando tiros com espingardas de caça, liberando um a um para dentro do mato, até conseguirem fugir. Os soldados imperiais, conhecidos como “periquitos”, usando fuzis com alcance de cerca de 260 metros, deixaram os mortos no campo de batalha.

No embate, as forças imperiais perderam apenas dois homens, um guarda nacional e um membro da milícia do Padre Ramalho, ambos feridos mortalmente. Do lado dos paulistas liberais, entre 19 ou 20 combatentes perderam a vida.

Doutor Ricardo Gumbleton Daunt narra detalhadamente a morte do Capitão Boa Ventura Soares do Amaral, militar e amigo de Tobias de Aguiar. Boa Ventura veio para Campinas com armamentos, com ordens para retornar à Coluna Libertadora em Sorocaba, mas preferiu ficar e lutar ao lado dos liberais. Ele recusou a fuga e morreu no combate, como descrito por Daunt:

“Comandava a mesquinha artilharia paulista no infeliz combate da Venda Grande um paulista da mais apurada nobreza— Amaral e Camargo — por nome Boaventura Soares do Amaral. Era capitão de 2ª linha e durante anos militou nas campanhas do sul contra castelhanos.

Melhor do que ele ninguém conhecia a impossibilidade de lutar com vantagem com o governo, porém preso por sentimentos exagerados de gratidão ao brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar, ele acudiu ao chamado deste e aceitou o comando das peças, e marchou como o paciente ao cadafalso.

Houve a debandada dos provincianos, mas o capitão Boaventura não cuidava em si, recusou abandonar seu posto, e quando se viu cercado pelo inimigo que quis constituir-se prisioneiro de um oficial cujo camarada d’armas fora no Sul, a fim de assim obter a garantia da sua vida. Ele ofereceu sua espada ao referido oficial, e o infame, rindo-se virou as costas deixando o paulista a mercê da tropa.

Prenderam-no, e no ato, propositalmente feriram-no, levando-o para a casa da antiga fazenda que era sobrado. Ali o atiraram em uma cama e na mesma noite os soldados o assassinaram a sangue frio.”

Nos documentos enviados ao Barão de Caxias pelo tenente-coronel José Vicente de Amorim Bezerra, comandante em chefe do destacamento imperial, destacam-se os atos de bravura dos oficiais das diversas unidades de soldados, mencionando também o Capitão Pedro Alves de Siqueira, comandante da cavalaria, ferido levemente, assim narrados:

“Entre os oficiais e praças que mais se distinguiram, cumpre dever e justiça, recomendar a Vossa Excelência, o alferes do batalhão 12°, Carlos Cirilo de Castro, o 2º tenente João Jacques Godfroy, cadete de artilharia, alferes de comissão; Bernardo Joaquim Pereira, cadete fazendo serviço do oficial João José Pereira; sargento Joaquim Theodoro, ambos do batalhão 12°, e o sargento de guardas nacionais Antônio do Rego Dante”

Como o combate ocorreu no final da tarde e início da noite, o campo de batalha não pôde ser completamente explorado. Os relatos na imprensa mencionaram 17 mortos e 15 feridos. Esses números levaram à interpretação da morte de “Antônio Joaquim Vianna”, considerado o comandante e chefe dos paulistas de Campinas, que foi ferido e levado para o prédio da cadeia velha em Campinas.

Na cadeia velha, já estava detido o médico cirurgião Antônio Luiz Patrício da Silva Manso, considerado o principal autor da Rebelião de Cuiabá e acusado de incitar agitações em Limeira. Ele havia sido preso na noite de 5 de junho de 1842.

Patrício Manso não apenas tratou dos ferimentos de Antônio Joaquim Vianna, como também foi testemunha de seu testamento, conforme narrado pelo historiador Benedito Otavio em 1907:

“Ainda assim, Patrício Manso, não deixou de tomar parte na rebelião de 1842, que levantou São Paulo e Minas. Vencidos os liberais, foi preso, de nada lhe valendo o título de médico do paço, que exibiu. Aí, na cadeia velha, encontrou-se com Antônio Joaquim Vianna, seu amigo, aprisionado e ferido em Venda Grande. Patrício Manso assignou o testamento de Vianna, moribundo, e lhe assistiu a morte, guardando como relíquias o lençol e o colchão ensanguentados do valente rebelde…”.

O número de mortos no Combate de Venda Grande, nunca foi realmente desvendado, o relatório dos soldados do Barão de Caxias ficou com a contagem de 17 mortos, historiadores e cronistas falam em 19 ou 20 combatentes mortos, Amador Bueno Machado Florence, em sua crônica, quarenta anos depois do evento relaciona alguns mortos:

Boaventura do Amaral Soares de Camargo, Antônio Joaquim Vianna, “Negueime”, apelido de um primo de Joaquim Bonifácio do Amaral, o Visconde de Indaiatuba, João Evangelista Monteiro, um primo de Juca Salles, um indivíduo conhecido como João Francisco, possivelmente João Sapateiro, identificado por Amador Bueno Machado Florence como um alfaiate na época, um camarada de Bittencourt, provavelmente um dos colonos ou funcionários de Antônio Pio Correia Bittencourt que também participou do combate.

Da força Imperial somente um soldado do Padre Ramalho, pereceu. Quanto aos feridos, Amador Bueno Machado Florence, relaciona:

Antônio Alfaiate, baleado de revés na cabeça. Joaquim Cardoso, irmão de Manoel Cardoso, tio do maestro Santana Gomes e de Antônio Carlos Gomes, baleado no peito, que se recuperou graças ao acolhimento e ajuda dos sitiantes da redondeza e José Antônio da Silva, ferido no braço.

Aqui, neste solo que pisamos agora, ocorreu a batalha que hoje relembramos e que já foi cenário de muitas homenagens aos nossos heróis. Um destaque especial foi uma homenagem realizada por volta de 1860 ou 1862, liderada pelo Visconde de Indaiatuba, Joaquim Bonifácio do Amaral, líder do Partido Liberal e imediato no comando deste combate. Durante esse ato de piedade, o Visconde percorreu os caminhos onde seus camaradas tombaram, recolhendo os ossos dos valentes e transferindo-os para uma igreja em Campinas, cujo nome e local permanecem desconhecidos até os dias de hoje. Essa narrativa foi registrada por Amador Bueno Florence, e apesar de nossas pesquisas, o local exato da igreja e o destino dos ossos exumados ainda são desconhecidos.

Em nossa simples homenagem de hoje, peço aos senhores um minuto de silêncio, para homenagearmos os nossos combatentes do passado.

Assim como nos esforçamos para não deixar morrer este legado, assim o fizeram os gregos quinhentos anos antes de cristo, cumprindo o ritual de homenagem aos seus soldados retiro algumas palavras do discurso de Péricles:

“Contemplo diariamente a grandeza de minha cidade, por ela apaixonado, inspirado, reflito, que toda esta sociedade foi erguida pela conquista de homens de coragem, cônscios de seu dever, impelidos na hora do combate por um sentimento de honra…”

Este é o nosso sentimento pela história da nossa cidade e a nossa homenagem aos combatentes da Venda Grande.

Muito Obrigado.

 

Genaro Campoy Scriptore

Administrador de Empresa
Pesquisador e Escritor
Membro do Conselho Fiscal do Centro de Ciências, Letras e Artes

Memória social e o objeto biográfico.

Artigo-Estoico-CCLA-1024x277 Memória social e o objeto biográfico.

 

O cotidiano do cidadão de Campinas, suas interações com a cidade e a navegação pelas suas ruas não bastam para evocar a memória coletiva e social de uma localidade que tem suas raízes culturais, históricas e tradições, profundamente enraizadas em seu tecido urbano central.

O centro de Campinas é rico em objetos, símbolos, construções e marcos que, lamentavelmente, sofrem com atos de vandalismo, depredação e pichações. Isso evidencia que a preservação do passado não reside apenas nos monumentos e no património público, mas sim, na compreensão e no reconhecimento da história por parte da comunidade.

A valorização e a reconstrução do legado histórico campineiro, no presente, dependem do acesso à informação e do conhecimento da realidade histórica, que moldaram a sociedade local. É somente por meio desse entendimento que podemos verdadeiramente apreciar e preservar a herança cultural que nos foi deixada.

O Centro de Ciências, Letras e Artes é diretamente afetado pela deterioração que assola o entorno central de nossa urbe. Como membro desta venerável instituição, que abriga museu, memoriais, uma biblioteca e coleções de objetos biográficos e culturais, de grande valor histórico, busco contribuir por meio de pesquisas e publicações, para a compreensão e valorização dessas coleções.

Recentemente, ao preparar uma palestra sobre Antonio Carlos Gomes e ao examinar uma foto datada de 1936, redescobri a importância de uma peça localizada na entrada principal do Edifício “Cidade de Campinas”, na Rua Regente Feijó, 1251. Esse objeto, que ilustro neste texto, revela-se um testemunho significativo da história e do esforço na preservação do registro do local onde nasceu Carlos Gomes.

Minha compreensão inicial sobre tal objeto passou por uma transformação radical quando me aprofundei na pesquisa e descobri que foi criado durante as celebrações de inauguração do monumento-túmulo de Carlos Gomes, situado na Praça Antônio Pompeo. Essa peça foi concebida como parte da homenagem ao ilustre maestro e compositor de “Il Guarany”, marcando um momento solene em sua memória, após seu falecimento.

No dia 2 de julho de 1905, findas as solenidades de inauguração do monumento-túmulo, João César Bierrenbach convidou a comissão e uma grande massa de populares para seguirem a pé desde o monumento, pela Rua da Cadeia, hoje Rua Bernardino de Campos, até o prédio de número 50 da Rua Regente Feijó, que hoje corresponde ao número 1.251. Local onde nasceu Antonio Carlos Gomes, habitado na época pela família de Theodoro de Souza Campos.

Na frente da residência em que Carlos Gomes veio à luz, César Bierrenbach, em poucas palavras, convidou Rodrigo Octavio, Lúcio Mendonça e os guardas da marinha, Ignácio Amaral e Sebastião Lobo, para descerrarem a cortina que cobria a lápide comemorativa, fixada na parede frontal da residência.

Dois anos depois, no dia 19 de julho de 1907, o presidente do Centro de Ciências, Letras e Artes, doutor Souza Brito, recebeu do chefe da Locomoção, da Estrada de Ferro Mogiana, doutor Carlos William Stevenson, uma placa fundida em bronze. Esta placa se destinava a substituir a lápide de mármore negro que, por iniciativa de César Bierrenbach, havia sido descerrada em 2 de julho de 1905.

A placa trazia um escudo sobre duas colunas, ladeadas por palmas, coroado por uma lira entre dois ramos de café e carvalho. O letreiro no interior da placa trazia os mesmos dizeres da lápide de mármore original:

“Na casa aqui outr’ora existente em XI-VII-MDCCCXXXVI nasceu Carlos Gomes – Homenagem do Centro de Sciencias Letras e Artes a II-VII-MCMV”

A casa e a placa comemorativa coexistiram por mais de 60 anos, até a construção do Edifício “Cidade de Campinas”, que abriga salas comerciais. Esse edifício respeitosamente incorporou a placa de 1907 até meados de 2012, quando ocorreu o furto da placa de bronze da frente do edifício.

O Centro de Ciências, Letras e Artes não se daria por vencido. O vandalismo não intimidaria a diretoria, capitaneada pelo engenheiro Marino Ziggiatti e seus pares Duílio Battistoni Filho, Luiz Carlos Ribeiro Borges, Gustavo Mazzola, Arley Bonafé Zarattini e tantos outros incansáveis na preservação da memória social. Em 12 de setembro de 2012, conforme menciona a ata 205ª, foi instalada uma nova placa indicativa do nascimento de Carlos Gomes, exatamente com os mesmos dizeres da placa original, agora em cimento e mármore, patrocinada integralmente pelo senhor Arley Bonafé Zarattini.

A atual diretoria do Centro de Ciências, Letras e Artes mantém sua dedicação inabalável, enfrentando corajosamente os desafios que se apresentam, incluindo a triste realidade de sua sede parcialmente pichada e diversas estátuas pela cidade vandalizadas, entre elas o Monumento-túmulo de Carlos Gomes, o busto de César Bierrenbach, o busto de Guilherme de Almeida, o busto de Padre Anchieta e outros monumentos que também foram alvo desses atos de vandalismo.

O vandalismo contemporâneo, praticado nas madrugadas, transcende à mera agressão. Assemelha-se mais a um estilo de vida, praticado em segredo, com rostos ocultos da sociedade, revelando-se apenas aos seus pares.

Além disso, há aqueles que se dedicam à apropriação ilícita de peças metálicas, destinadas à venda ilegal para sucateiros e falsificadores, desprovidos de ética e moral. Esses indivíduos muitas vezes são rotulados como ignorantes culturais, vivem uma existência fugaz e desprovida de significado, deteriorada pelo uso indiscriminado de substâncias químicas que corroem, irreversivelmente, sua saúde mental, emocional e física.

Diante desse desafiante cenário do vandalismo, o fortalecimento do senso de pertencimento à comunidade e à sociedade, emerge como única solução promissora. Ao integrar cada vez mais o indivíduo nas relações sociais, podemos cultivar um orgulho coletivo, responsabilidade compartilhada e um compromisso renovado com a vida comunitária.

Investir na conscientização e na educação dos nossos jovens representa um caminho eficaz para mitigar comportamentos destrutivos e moldar cidadãos responsáveis e comprometidos com o bem-estar coletivo.

Minha concordância com Sêneca, em sua obra “Diálogos”, especialmente na Introdução, reflete minha convicção de que seus ensinamentos oferecem base sólida para abordar temas complexos, como o vandalismo e desafia-nos na busca de soluções inovadoras:

“…sempre haverá uma oportunidade, por mais adversos que sejam os tempos, de ser útil à comunidade, mesmo se for só sair para a rua e ser visto; não se deve intimidar a princípio ou, tímido, esconder-se no seu canto; pelo contrário, pode-se até ir para outra cidade ou terra que lhe seja mais favorável, pois o cosmopolitismo estoico lhe confere o status de cidadão do mundo.” (Diálogos – Introdução – página 41 Editorial Gredos, S.A – Madrid – Espanha