Arquivo mensal 25/10/2022

Buscando Voltaire e seu amigo Helvétius

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François Marie Arouet –Voltaire

Claude Adrien Helvétius

Diante de tantas “fake-news” e tantos disparates que tenho visto nos últimos dias, desci de minha prateleira alguns livros que li em minha juventude e recuperei um pouco do pensamento de François-Marie Arouet, escritor, ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês, mais conhecido pelo seu pseudônimo, “Voltaire” do que pelo seu próprio nome.
Voltaire, nascido em Paris em 21 de novembro de 1694 e falecido em Paris, 30 de maio de 1778, escreveu quase uma centena de obras que vão desde peças de teatro, poemas, romances, ensaios, obras cientificas e históricas, inúmeras cartas e milhares de livros e panfletos. Suas críticas sempre dirigidas aos reis absolutistas, ao privilégios do clero e à nobreza em geral, com endereço certo para o exercício da reforma social, com pesadíssimas críticas à censura e as punições impostas pela quebra delas. Na França foi preso por duas vezes e para escapar da perseguição política que influenciou a revolução francesa, refugiou-se na Inglaterra onde conheceu e passou admirar as ideias de John Locke.
Da minha pobre estante desci dois livros, “A vida de Voltaire”, e  “Os Amigos de Voltaire” o primeiro escrito em 1900 e o segundo em 1906, obras no original da escritora inglesa Evelyn Beatrice Hall , que escrevia com o pseudônimo de S. G. Tallentyre.
A releitura de obras primárias nos posiciona cada vez mais diante dos fatos atuais, traz comparações e execra fatos vividos pela ignorância de que a vida é cíclica e que os eventos se repetem.
Tomo aqui emprestado o livro  “Os Amigos de Voltaire”  Capítulo VII – Helvétius – A Contradição, onde a escritora traz a figura de Claude Adrien Helvétius, autor de “Essay on the Mind”, um livro materialista, no caminho do autoconhecimento que segunda a autora carrega em si, em cada ação muita mentira. Helvétius era um daqueles filósofos da época muito odiado e muito perseguido, principalmente pelos cobradores de impostos da França. Pertencia a uma família de médicos, bisavô e avô considerados na corte, seu pai teria salvado a vida do rei Luiz XV durante a infância.
A escritora diz que Helvétius com 25 anos e Voltaire com 45 anos se tornaram amigos calorosos trocando correspondências entre 1738 e 1771.
Quando Helvétius produziu “Essay on the mind”, tinha como objetivo propor uma nova teoria da ação humana e um novo sistema de moralidade, porém Voltaire não concordou muito com a fantasia que poderia facilmente ser demolida pela crítica, de caráter fácil, imprecisa, um estilo que segundo a escritora era feito para mentes leves e despreparadas como os jovens e as mulheres da época.
Quando pronta a obra, Helvétius levou-a para Tercier, o  censor, que o aprovou sugerindo apenas o corte de algumas referências ao livre pensador Hume, que Helvétius retirou do texto.
O livro seguia o seu desígnio de aprovado por alguns ou reprovados por outros, seguia o seu caminho para ser um sucesso, até que a estupidez enlouquecida do  governo, o Delfim, mais virtuoso do que sábio, sai do seu quarto com uma cópia em sua mão e com o rosto desfigurado em fúria diz:
”Eu vou mostrar para a rainha o tipo de coisa que o mestre da casa, senhor das impressões e das gravuras publica no reino.”
Em 10 de agosto de 1758, o privilégio da publicação de  “Essay on the mind”, foi revogada, Tercier foi demitido e o livro foi furiosamente atacado nos jornais religiosos, nos discursos e homilias por toda a França.
Algo deveria ser feito para Helvétius, algo de bem covarde, que o atormentasse, uma punição exemplar. Porém Helvétius teria feito o mesmo que Voltaire, então um padre jesuíta escreveu uma carta dizendo que ele teria escrito sua obra em inocência e simplicidade e que não tinha a menor ideia do efeito que ela produziria, acrescentando que Helvetius era um homem religioso e que se encontrava muito triste com todo este fato.
A tal carta lhe valeu a perda de toda a sua mordomia e o exílio por dois longos anos no Chateau de Voré.
O que o livro nunca poderia ter feito para si mesmo,  ou por seu autor, a perseguição fez por eles. “Essay on the mind”, não se tornou o sucesso de uma temporada, mas um dos livros mais famosos do século.
Voltaire perdoou-lhe todos os ferimentos, intencionais ou não intencionais, e quando ouviu sobre a queima dos livros de Helvétius dizia:
“Que algazarra sobre um omelete”.
“Quão abominavelmente injusto é perseguir um homem por uma ninharia tão comentada como essa!”
E vem uma frase que se tornaria célebre publicada pela escritora há quase 120 anos atrás:
“I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it”
“Eu desaprovo o que você diz, mas eu defenderei até a morte o direito de dizê-lo”
Nos dias de hoje penso que Voltaire poderia dizer a mesma frase na direção da disputa política que não pode e não deve se dobrar diante da censura.
Como gostaríamos de ter um Voltaire em nossas cortes jurídicas na defesa das liberdades civis, defendendo liberdade religiosa, o livre comércio, aplicando com justiça a lei de forma a punir severamente os desvios morais e corruptores de uma sociedade doente e sem rumo. Ter um defensor da ciência política direcionada por ética e responsabilidade, que tivesse instrumentos coercitivos para impedir a corrupção e os desmandos oligárquicos que sacrificam os cidadãos independentes de suas classes sociais ou condições econômicas
Quem sabe a releitura de Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Mirabeau, John Locke e tantos outros que se encontram adormecidos pela ignorância e pelo servilismo de falsos mestres possam iluminar nossas futuras gerações.
Sou de um impassível e inquebrantável espírito que acredita na resiliência de uma sociedade futura, que mesmo sem ajuda acabará por encontrar o seu caminho.

Reflexão – Uma ação com duas faces.

 

As-duas-Fridas-300x300 Reflexão – Uma ação com duas faces.
Quadro As duas Fridas – Frida Khalo

Diante de tantas argumentações e reflexões vivenciadas no período eleitoral brasileiro em  2022, advindas desde o mais simples cidadão até as mais complexas mentes intelectuais que conheço, saltaram-me à vista, principalmente nas argumentações, à maneira com que atingiram meu intelecto nestes últimos dias.

Uma das faces que transbordaram nas redes sociais e nos grupos de conversas denominarei aqui de a “reflexão dos influenciadores”.

Descartando o grau cultural, social e até mesmo intelectual dos agentes influenciadores, pude observar que fica fácil se posicionar como tal desconhecendo as ferramentas mais óbvias de um influenciador, como:

  1. Refletir com o domínio das emoções, para não transparecer o lado sombrio que todos escondemos em nosso interior.
  2. Refletir com eloquência, usando a comunicação verbal e não verbal adequada para receber o devido crédito em suas críticas e posições.
  3. Utilizar a empatia de maneira a ocupar o lugar do outro, descentrar de convicções e de padrões pré estabelecidos para passar uma mensagem de confiança.
  4. Demonstrar inovação, criatividade, gerando mensagens arrojadas e novas, com humor, utilizando comunicação não verbal que tem olhar no olhar, leveza e trata seus interlocutores com cuidado respeito e admiração.
  5. Valendo-se de propiciar desafios com o objetivo de vencer atitudes difíceis, mas não impossíveis com senso de inteligência e realidade.
  6. E por fim, considerando as próprias reflexões como modelo, que tanto pode servir de guia aos seus interlocutores como pode despertar reflexões vindas dos interlocutores que guiarão o próprio influenciador em uma nova forma de pensar, é um caminho para construir e ser construído.

Notadamente, sem estas ferramentas muitas destas reflexões passam a ser o que denominarei aqui de “reflexão dos manipuladores”, construídas através de:

  1. Desconhecimento da verdade, que em geral são reflexões com a profundidade de uma poça d’água, feitas de perguntas enganosas, geralmente carregadas de medo seguidas por falsas interpretações de alívio.
  2. Quase sempre tais reflexões escondem em suas entrelinhas um culpado, a culpa sempre será de alguém ou de alguma coisa que transformam reflexões e pessoas em verdadeiras vítimas causando direcionamento falso das decisões finais do indivíduo.
  3. Tais reflexões tendem a subornar ideais e valores estabelecidos que destroem o caráter ético e responsável, sempre de maneira subliminar e inconsequente.
  4. São reflexões rasas e imprecisas, carregadas de ódio, violência e até mesmo de nivelamento ditatorial que justifica ações para outros, nunca para si mesmo.

Num momento tão delicado que vivemos em nossa história, só o bom senso não basta para direcionar as atitudes dos indivíduos.

Abraçar opiniões alheias de falsos influenciadores que têm a face dissimulada dos manipuladores é abraçar a fantasia perigosa no engajamento de lutas desconhecidas e sem sentido, é distanciar-se das ideais edificantes dos espíritos esclarecidos que colocam a luz no alto da sala para iluminar o ambiente, é abraçar o comportamento dos espíritos deseducados, impolidos, grosseiros, néscios e obtusos que escondem a luz sob o leito da conveniência provocando assim a penumbra e a escuridão  intelectual.

Ainda que a manipulação desconstrua o intelecto da sociedade, provoque um abismo entre o responsável social e  egocêntrico manipulador acomodado, ainda assim ponho toda a minha esperança na luz das reflexões dos espíritos esclarecidos, na “reflexão dos influenciadores” que através de atitudes, de exemplos carregados de responsabilidades deitarão luz e convencimento no ambiente de insensatez e ignorância,  habilitando pessoas e instituições na construção de uma sociedade mais justa, solidária e equitativa.